55 anos sem JC

JC, claro, não é Jesus Cristo; tampouco se refere ao pernambucano Jornal do Commercio, com m duplo e sem acento agudo no e. Na verdade, são as iniciais de um dos maiores músicos de jazz de todos os tempos (e para muita gente, o maior): John Coltrane que, no dia 17 de julho, há 55 anos, morreu de câncer hepático – aos 40 anos. Se há uma perda que a música lamente há tanto tempo, tenha certeza: é essa. Muito se falou sobre Coltrane. Muito se teorizou, avaliou, escreveu, estudou. É reverenciado com merecimento: até uma igreja para louvá-lo existe. Nada que eu escreva sobre ele será inédito ou original. Ao lado de Charlie Parker, é o mais celebrado nome do jazz.

Em 2018, escrevi sobre o álbum perdido – ou seja: mais um disco seminal, uma obra de primeira, com o quarteto que trouxe ao mundo o sensacional A Love Supreme, um disco espiritualizado, místico, ao mesmo tempo que excessivamente cerebral, quase matemático. É seu ponto máximo, para muitos. Meu primeiro contato com o gênio deu-se por conta de outro músico: Duke Ellington, o maior dos compositores no gênero. O disco Duke Ellington & John Coltrane é absurdamente bom: sete faixas em que tudo está no lugar certo, e traz – provavelmente – a melhor gravação de In a Sentimental Mood que há. Duvida? É só checar clicando no título!

Li uma entrevista de Alice Coltrane, sua viúva, em que ela afirmou que JC estacionara em um ponto sem retorno. A busca espiritual havia-se tornado uma obsessão, a beatitude chegara a um limite incompreensível – mesmo para ela, companheira de casa e estúdio. É a fase mística da carreira, com pelo menos um disco excepcional (embora complexo): Ascension, publicado um ano antes de sua morte. E o quarteto está lá: McCoy Tyner, Jimmy Garrison e Elvin Jones. Sim, há mais gente.

Tenho 68 discos de John Coltrane – entre cedês e elepês. Difícil dizer de qual gosto mais. Caso fosse necessário escolher um, eu apostaria em Olé, disco de 1961 com apenas 3 faixas (4 em cedê: To Her Ladyship como faixa-bônus). É um monumento, o apogeu criativo tanto na confecção quanto na execução. Coltrane ao lado de dois gigantes: Freddie Hubbard, no trompete, e Eric Dolphy, na flauta. E McCoy Tyner, o pianista, quase rouba a cena. Se duvida (novamente), clique no título do disco. Escolhi Olé, mas poderia ter escolhido Giant Steps, My Favourite Things, Ballads, Live in Seattle, Soultrane, Coltrane plays the Blues e por aí vai. Melhor parar por aqui.

A única antologia, por enquanto

Vamos ao óbvio: só se deve enumerar um artigo se houver outros exemplares dele. Se for único, não faz sentido chamá-lo “primeiro”. Sim, falei algo dispensável, implícito em qualquer discurso. A editora Paz  e Terra, entretanto, pensa diferentemente. Aliás, sendo honesto: o problema não é da editora brasileira, mas da própria revista mundialmente conhecida e respeitada: The New York Review of Books. Vou explicar: em 1997, adquiri um livro que saía do forno: a edição brasileira de uma reunião de artigos publicados, por 30 anos, do citado veículo.

Se você que está lendo se interessa por cultura, arte, política, sociologia e uns nacos de filosofia vai apreciar a seleção de artigos feita por Robert Silvers, Barbara Epstein e Rea Hederman. Algumas perguntas iniciais devem ser feitas. Quem escreve? Sobre o que e sobre quem se escreve? Como se escreve? Esta última pergunta é fácil de responder: escreve-se bem. Alguns textos são absurdamente bem escritos – chega a dar inveja, ao menos a mim. As duas primeiras perguntas podem ser respondidas ao mesmo tempo.

Para se ter uma breve ideia: o crítico de arte Robert Hughes escreve sobre Andy Warhol; o poeta Wystan Auden versa sobre enxaquecas, enquanto o polêmico Gore Vidal fala sobre aviação em A Paixão de Voar. É um prazer saborear cada parágrafo da entrevista que o maestro Robert Craft faz com o sempre genial Igor Stravinski: o assunto é Beethoven e suas sinfonias. Richard Ellmann, claro, fala sobre Joyce, e meu texto preferido, Balzac aos trinta anos, é escrito pelo brilhante crítico inglês V. S. Pritchett.

Falei em preferência textual, mas é difícil escolher, dentre 23 artigos, qual o mais interessante. Eu não conheço uma revista literária com tamanha envergadura intelectual, capaz de abraçar tanto talento pontuando ideias que interessam não somente aos iniciados, mas a qualquer um que enxergue na boa leitura prazer e benefícios. Em tempos de boçalidade escrita e falada, de superficialidade de ideias, de enaltecimento dos medíocres, o New York Review of Books é um foco necessário de resistência.

As mulheres de Guerreiro

O fotógrafo Antônio Guerreiro viveu bem. Filho de milionário, desfrutou de uma cobertura, no Leme, na qual fez inúmeras festas para as beldades e socialites cariocas, todas sequiosas por um clique, um flash. Fotografou belíssimas mulheres, quase todas famosas que, por meio de suas lentes e de seu talento, ficaram ainda mais belas – como se isso fosse possível. Era. Divertiu-se naquele Rio de Janeiro que não existe mais: marcado pelo glamour, pela sexualidade transbordante, pela valorização da estética, pela beleza feminina. Três delas, abaixo:

Antônio Guerreiro foi casado com duas belíssimas mulheres – uma de cada vez, evidentemente. Sônia Braga – que recentemente visitou as páginas deste blogue – e Sandra Bréa, um dos mis belos rostos da tevê. Além da morenice, do mesmo marido e das iniciais, as duas tinham em comum a sensualidade que Guerreiro soube explorar ao extremo. É só conferir, abaixo:

Sônia Braga em 1980, quando era casada com Guerreiro (Foto: Reprodução/Vogue Brasil)

As atrizes Dina Sfat e Maitê Proença foram dois exemplos de que mulheres bonitas ficam ainda mais belas quando bem fotografadas. A morenice sensual da primeira, potencializada pelos olhos e pela boca entreaberta, sugerem – e isso, claro, é interpretação pessoal – que nada é mais potente, numa fotografia, do que aquilo cada observador é capaz de ver. Maitê, bela e iluminada, expressa alegria, leveza. Guerreiro sabia das coisas.

Nem sei quantas mulheres Antônio Guerreiro fotografou. Oficialmente, foram mais de 600 beldades – entre atrizes, modelos, socialites, gente do mundo da arte e da cultura. Mais de 500 mil clicadas em 25 anos de uma profissão que qualquer um – homem ou mulher – apreciaria ter. Abaixo, a sempre bela Tônia Carrero, a exótica Elke Maravilha, as deslumbrantes Zezé Mota e Bruna Lombardi.

Antônio Guerreiro nasceu em 10 de julho de 1947. Se quiser ter uma boa visão do trabalho de Guerreiro, é só clicar AQUI. Inclusive há uma lista de fotografados, homens e mulheres. Pelo menos metade desse plantel não interessa a esta postagem.

Péret & O Amor

Poetas surrealistas sempre tiveram minha simpatia. Li Breton, Alexandre O’Neill, Apollinaire, Desnos, Élouard. Li também o brasileiro Murilo Mendes e, no início dos anos 2000, caíram-me aos olhos – por pura fortuidade – alguns poemas da escultora mineira Maria Martins. Nada se compara, em minha modestíssima avaliação, aos poemas do francês Benjamin Péret, os quais li, numa tradução de Amor Sublime, livro de poemas e ensaio publicado pela editora Brasiliense, há 37 anos. A propósito: nasceu num 4 de julho, há 123 anos.

Péret, trotskista (como Breton), era um ativista de primeira linha, dotado da charmosa agressividade dos artistas politizados. Envolvido com o movimento surrealista, que ajudara a fundar, era a mente criativa – dentre outras mentes criativas – por trás do periódico La Révolution Surréaliste. A convite do amigo pessoal Mário Pedrosa, seu concunhado, morou no Brasil por três anos, viajou um bocado como etnógrafo, pesquisou, encantou-se com o povo nordestino até ser expulso formalmente por Getúlio Vargas.

Amor Sublime é um livraço. No original, Je Sublime e Un Point c’Est Tout: poemas de força literária invulgar, cheio de imagens que, à leitura desavisada, não agradam imediatamente. Péret deve, penso, ser lido devagar, com a lentidão que auxilia a absorção plena. Versos longos, nem sempre pontuados, exigindo que o leitor estabeleça com o texto a cumplicidade necessária. Desde que adquiri o livro – em fins dos anos 1980 – vou (re)lendo devagar, poema a poema, indo e voltando como textos de mão dupla.

O ensaio O Núcleo do Cometa é uma obra-prima. Seu tema é o amor e quem já dele falou: de Santo Agostinho a Platão, passando pelas tábuas de Moisés, Baudelaire, Stendhal, Tolstói, Rousseau e mais um punhado de citados que, numa algazarra bem ordenada, ilustram um dos textos que deveriam ser lidos por todos os interessados em afeto e em seus desdobramentos.

E ainda nos revela isto: “A sociedade permite livre curso a todas as formas de amor, exceto ao amor sublime, para cujo triunfo ela antepõe todos os vetos, pois ele tende a desagregá-la ao revelar aos homens a felicidade à margem dela e de seus ideais. É por isso que os homens apelam sem cessar para a voz dos poetas e dos artistas.” É isso aí, Benjamin.

Mulheres #9: Sônia Braga

Eu tenho 60 anos, de modo que o programa Vila Sésamo, que estreou em 1972, pegou-me já interessado em jogar futebol com os amigos e ir à escola – para jogar futebol também. Lembro-me, entretanto, de assistir a alguns episódios, e a imagem luminosa de Sônia Braga – que ainda não habitava meus assuntos – era eclipsada por uma ave gigante e desengonçada chamada Garibaldo. Um tempo depois, em 1975, já com 13 anos, Vi Sônia em Gabriela – e aí eu já a via com outros olhos. Abaixo, como Ana Maria, da citada vila:

Bem melhor como Gabriela, a sensual criatura de Jorge Amado. Não me recordo de, em telenovelas, nenhuma outra personagem feminina que tenha chacoalhado a libido da juventude com tanta potência. Pele, cabelos, sorriso, anatomia – tudo isso aliado à ideia de uma ingenuidade regionalista que, confundida com ignorância e submissão, expressa a exploração sexual de uma mulher. À parte análises mais complexas, observa-se a beleza de Sônia Braga, no esplendor dos seus 25 anos. Bem, há Dona Flor também, não é, seu Jorge?

Sônia Braga

E quem há de esquecer Solange, a esposa aventureira de A Dama do Lotação? Ou a prostituta Maria, de Eu te Amo? Ou ainda a virginal Marcina, da telenovela Saramandaia, que, excitada sexualmente, pegava fogo. Não, não é metáfora. Pegava fogo mesmo, e provocava queimaduras no sortudo que estivesse por perto.

Em 1984 Sônia Braga foi o combustível de que a Playboy precisava para decolar. Já havia aparecido na revista 6 anos antes, num suplemento especial que, infelizmente, não conheço. Mas posso imaginar. As fotos abaixo, da edição de quase 40 anos atrás, mostram a beleza mestiça de uma mulher que se tornou símbolo de uma época.

Sônia Braga - Gatas Peladas - Mulheres Gatas Peladas e Nuas

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Sônia foi clicada por Antônio Guerreiro, fotógrafo com quem esteve casada por 9 anos. Em breve, uma postagem sobre as fotografias deste que soube viver bem: entre mulheres bonitas, fotografando-as, privando com elas. Mas isso é papo para outra oportunidade. Fique com o clique do ex-marido:

Sônia Braga envelheceu da melhor maneira: mantém o sorriso refulgente, o olhar luminoso, que parece expressar a sabedoria acumulada. Num país em que mulheres se recusam a envelhecer – nenhuma censura nisso! -, ela assumiu os cabelos brancos, as rugas, o tempo que passou. Continua bela, como antes – e como sempre.

Sônia Braga vê sociedade carente de empatia na pandemia: 'O mundo está  louco'

Os autonautas Julio e Carol

O argentino Julio Cortázar escreveu inúmeras obras-primas, sejam em formato de contos, ensaios, crônicas ou romances. Poderia ter-se aposentado após a publicação do extraordinário romance O Jogo da Amarelinha, em 1963. Ou do excepcional volume de contos Todos os Fogos o Fogo, três anos depois. É um símbolo da alta literatura feita na América do Sul, embora tenha se naturalizado francês e escrito boa parte de sua obra em solo europeu. Há quem prefira Jorge Luís Borges – outro argentino – insistindo numa equivocada rivalidade. Esqueça isso!

Estou relendo Os Autonautas da Cosmopista, livro publicado – em espanhol e em francês – em 1983, mas que chegou à versão brasileira em 1991, pela editora Brasiliense. Está na foto em minha companhia. O livro, um diário literário e humorístico de viagem, é escrito a 4 mãos: duas de Cortázar e duas de sua mulher, a escritora canadense Carol Dunlop, que criou o subtítulo uma viagem atemporal Paris-Marselha. A propósito: a distância entre as duas cidades é de 774km. De carro, leva-se pouco mais de 9h; a viagem, contudo, durou um mês, a bordo de uma Kombi equipada para abrigar dois escritores. A Kombi, por sinal, tinha um nome: Fafner.

A lentidão para se chegar ao destino é proposital: observar a realidade, com olhar literário, e transpô-la para o papel é o objetivo desses dois autonautas. Natureza, homem, velocidade, estrada, parkings, alimento, poesia, leitura, amigos, escritura, hotéis, gasolina e tudo o mais que possa compor uma viagem de 30 dias. A linguagem de Cortázar, com seus períodos longos e marcada por conectivos e vírgulas magistralmente bem postos, é o ponto alto da narrativa. Há, claro, a narrativa de Carol – chamada carinhosamente de Ursinha -, mas não tem, evidentemente, a marca do gênio. Nem tem de ter.

O livro traz dezenas de fotografias, desenhos, observações acerca de lugares, flores, comida. É o registro sofisticado – bastante informal, contudo – não somente da viagem física per si, mas da viagem interior, carinhosa e cúmplice. Carol Dunlop tinha leucemia e, protegida por um Cortázar dedicado e atento, pôde usufruir de momentos de rara felicidade e humor refinado. Sem contar a aventura de viajar lentamente por uma estrada de sua escolha: sem pressa, como na vida. Cortázar morreria menos de um ano e meio depois. Juntos, continuariam autonautas.

Genialidade mutilada #2

Cover of the album Caetano e Chico - juntos e ao vivo.jpgEscrevi sobre o disco Caetano e Chico – juntos e ao vivo, lançado pela Polygram em 1972. Você pode ler a postagem AQUI. Repito: a capa do disco, agora numa repetição mais tímida, está ao lado. O elepê em questão – destaque do mês -, um dos shows mais emblemáticos do período brabo do regime militar, foi miserável, grotesca e truculentamente mutilado. Um encontro entre dois dos maiores artistas da música brasileira, num show, durou menos de 36 minutos. Vou repetir: um show com pouco mais de meia hora. E pior: mal gravado.

Tenho buscado na web informações sobre o disco. Busquei também na biografia de Caetano, sobre a qual também escrevi. Pouca coisa se fala sobre esse show, até porque sua temporada fora abalada pela morte suicida do jornalista, poeta e compositor Torquato Neto, amigo chegado de Caetano. A Polygram imaginou que o disco, lançado no início de 1973 – mas registrado como se fosse de 1972 -, fosse fracassar. Errou feio. O disco vendeu bem, e dinamitou a ideia de que os dois artistas eram inconciliáveis. Não encontrei detalhes sobre o assunto nem em Verdade Tropical, do próprio Caetano.

Consegui, entretanto, algumas informações sobre o que os dois compositores propuseram para o show. Caetano, vestido intencionalmente de forma espalhafatosa, de batom e brilhos, escandalizava os censores. Chico, comedido por conta da timidez, deu seu recado. O que interessa, entretanto, é que as canções propostas praticamente não foram gravadas. Ou, se foram, não constam do disco. Daí a pergunta (a qual repito): que diabos de show é esse que dura menos de 40 minutos? Veja a lista das canções num documento da época:

O trabalho da censura foi um sucesso. Das canções propostas, apenas algumas foram selecionadas. Os originais dessa gravação certamente estão em poder da Polygram, que poderia – e deveria, em minha opinião! – corrigir esse erro. Imagine, nos 50 anos de vida desse disco, ele realmente vir à tona, sem cortes! Para os fãs, o tesouro absoluto. Resta saber se haverá disposição para resgatar o passado. Um passado de valor absolutamente necessário. Um resgate essencial.

Genialidade mutilada #1

Em 1972 , Chico Buarque (que aniversaria hoje) e Caetano Veloso resolveram estapear a mídia, que insistia em rivalizá-los, afinal um era tropicalista e outro, herdeiro do samba e artífice da MPB. Para muita gente, eram opostos, um querendo comer a jugular do outro. Coisa de jornalista que nada tinha a fazer. O tapa de luvas (de boxe) deu-se em forma de show no Teatro Castro Alves, em Salvador. O resultado desse show – cuja duração desconheço – foi um disco gravado e distribuído pela Polygram. É o disco do mês do blogue, como se pode ver, à sua direita. A capa está abaixo:

CD - Caetano e Chico - Juntos e Ao Vivo - Beco do Disco

Agora pasme: as canções, juntas, adicionadas às manifestações efusivas do público (sobre as quais falarei daqui a pouco) somam 35 minutos e 48 segundos. Você leu direito. O show, a contar pelo disco, não chega a 36 minutos. Qualquer pessoa minimamente inteligente percebe que há coisa errada aí. E essa coisa errada tem um nome: censura. Imposta, evidentemente, pelos militares e aplaudida pelos papalvos que a apoiavam. O governo Médici, sanguinário e truculento, mostrava sua força contra os artistas.

Se você já ouviu esse disco – creio que sim! -, percebeu que, em algumas canções, a efusão do público (assobios, palmas) foi grotescamente enxertada, com o objetivo de não permitir ao ouvinte uma audição plena do que se cantava. Sem contar que algumas canções – Bárbara, de Chico, e Tropicália, de Caetano – tivessem parte de sua letra simplesmente riscada do mapa. A isso chamo vilipêndio. Abaixo, ambos, nas areias da praia, em Salvador. Há 50 anos.

Caetano Veloso ...en detalle.: 1972 - CAETANO E CHICO juntos e ao vivo

Não conheço ninguém que tenha ido a esse show. Gostaria de conhecer, para que algumas perguntas pudessem ser respondidas. Duas delas: o que Chico e Caetano conversavam com o público, entre uma e outra canção? Outra: qual foi, mais ou menos, a verdadeira duração do show? Durante anos quis saber qual o repertório que foi apresentado à censura. Chico havia lançado, um ano antes, o discaço Construção, e nenhuma canção do disco foi executada – com exceção de Cotidiano. E apenas duas canções da trilha sonora de Quando o Carnaval chegar, filme de Cacá Diegues: Partido Alto e Bom Conselho.

E quanto a Caetano? Nenhuma canção dos seus discos de 1971 – composto no exílio londrino, intitulado Caetano Veloso – e de 1972, Transa. Enfim, a mutilação foi longe, exemplo da truculência de uma época que ninguém (ou quase ninguém) quer que volte. Na sequência – outra postagem – você saberá quais as canções propostas pelos artistas para o show.

Basquetebol & encontrões

Trailer mostra Adam Sandler em drama esportivo - Pipoca ModernaFilmes sobre esporte são especialidade dos americanos. Ninguém faz como eles, principalmente quando eles mostram a si mesmos como figuras heroicas cujos esforços desembocam na fama, no sucesso e, claro, naquilo que eles mais prezam: a grana. Assisti a Arremessando Alto, filme da Netflix em que Adam Sandler brilha como um olheiro de basquete que odeia futebol. O futebol inventando pelos ingleses e praticado em toda a superfície terrestre, aquele que eles chamam de soccer.

Não chega a ser um grande filme, já que há certa previsibilidade no desfecho, mas vale pelas cenas em que o esporte mostra-se tão vibrante quanto as vidas dos personagens que a ele se dedicam. É um espetáculo visual: voos, enterradas, jumps, passes, acrobacias, competição. Sim, sim: há um vilão no filme, em contraposição ao herói judeu Sandler. O embate entre eles se dá por meio da contratação – ou não – de um espetacular jogador espanhol de basquete de rua, descoberto por nosso herói. Nosso, não, deles. E do Philadelphia 76ers, o orgulho da Pensilvânia.

HUSTLE (2022) Movie Trailer 2: Down-on-his-luck Basketball Scout Adam  Sandler Discovers a Star in Jeremiah Zagar's Film | FilmBook

Se você aprecia o esporte, se gosta de basquetebol – como eu, que joguei, mas sem muitas pretensões -, e assina Netflix, não deixe de ver. Adam Sandler não consegue (ainda bem!) destituir-se por completo da aura humorística que o tornou famoso, mas bem que tentou. Está bem no papel de olheiro humilhado por um chefão babaca-filhote-de-papai. O craque espanhol não é ator – é jogador profissional. Joga no Utah jazz e seu nome é Juancho Hernangómez. Sim, se você acompanha basquete, deve se lembrar dele jogando no Denver Nuggets.

Muitas informações sobre os bastidores do basquete são veiculadas de forma direta, sem qualquer maquiagem. Vários astros da NBA (jogadores e técnicos) aparecem no filme, interpretando a si mesmos. É uma festa, patrocinada pelos produtores Adam Sandler e LeBron James. Se você nunca ouvir falar neste último, certamente não gosta de bola ao cesto. A propósito: o título, em inglês, é Hustle – algo como choque, encontrão. Mas pode designar também alguém que seja obstinado. Bem, o resto você verá, se quiser.

Duas vezes Rosinha

Amanhã é dia 10 de junho e a morte de Rosinha de Valença atingirá a maioridade. Em 1992, após ter sofrido uma parada cardíaca que lhe corrompeu o cérebro, entrou em coma e de lá não saiu mais: morreu em 2004, após 12 anos de estado vegetativo. O Brasil perdera sua melhor violonista, uma virtuose que havia batalhado imensamente pela valorização da música instrumental no Brasil. Genial ao violão, rivalizava com Baden Powell, o grão-vizir do instrumento e, justamente com ele, iniciou um movimento que deu origem a vários grupos musicais que fundiram jazz e bossa.

Gosto muitíssimo de Ipanema Beat, seu disco de 1970. É obra-prima pouco (re)conhecida neste país que valoriza gente que não mereceria respirar o ar que ela respirou. Um timaço de músicos divertindo-se tocando temas estrangeiros – pérolas de Joe Zawinul, Jimmy Smith, Serge Gainsburg, Keith Reid e outros – e uma gema de próprio punho: Rosinhas’s Mood. Se você quer ouvir o disco inteiro, AQUI está. Preste atenção ao organista Duncan Makay. E, claro – e principalmente -, a Rosinha de Valença.

Outro disco que aprecio bastante é um show ao vivo ao lado do acordeonista Sivuca. Gravação do projeto Seis e Meia, os dois artistas se apresentaram no Teatro João Caetano, em 1977. Com produção de Sérgio Cabral, ainda contava com a participação especialíssima do saxofonista Raul Mascarenhas – que também tocou flauta. Lamentos, de Pixinguinha, e Asa Branca, de Gonzaga e H. Teixeira, são os pontos altíssimos de um encontro de pontos altos. Ouça AQUI o disco na íntegra.

Rosinha de Valença foi reconhecida internacionalmente: Henry Mancini, Bud Shank, Stan Getz e Sarah Vaughan (só para citar alguns) admiravam sua habilidade com as cordas. Apresentou-se em vários países de pelo menos 4 continentes, explorando a brasilidade e ao mesmo tempo o cosmopolitismo de sua música, repleta de ousadias, inventividades e, claro, perfeição instrumental. Não me recordo de nenhuma mulher que, ao violão, encantasse mais. Homem, talvez – mas ainda prefiro Rosinha. Que esteja sempre em paz, como ficamos nós – ao ouvi-la.

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