Domingo após a segunda prova. Enem, 2024.
Rola um vídeo na internet em que o grande compositor e cantor Caetano Veloso resolve uma questão do Exame Nacional do Ensino Médio – o ENEM – em que ele mesmo fora citado. Caetano não titubeia, escolhe a alternativa – e acerta. Poderia ter errado, como já aconteceu anteriormente, há uns dois anos. Eis então a pergunta de resposta óbvia: como pode o autor não saber a resposta correta sobre o texto que produziu? Resposta simples: o autor escreveu o texto, criou-o, produziu-o. O autor não o leu, de modo que a pergunta é feita para quem leu o texto; não para quem o escreveu.
Lembro-me de quando, há mais ou menos 35 anos, a UFES tornou obrigatória a leitura do romance A Nau Decapitada, de Luiz Guilherme Santos Neves. Sendo eu professor para alunos que querem acessar a universidade, preparei-lhes, como uma prova simulada, questões relativas à obra. Alguns acertaram; outro, não. Lembro-me também de mostrar as questões ao próprio autor, Luiz Guilherme que, ao tentar resolvê-las, não obteve êxito. Em bom vernáculo: errou-as. Eis mais uma vez o axioma: o autor não é leitor de si mesmo. Não possui a isenção necessária para, racionalmente, avaliar o texto.
Caetano, na verdade, avaliou uma crônica em que era citado – não um texto de sua lavra, criado e produzido por seu cérebro privilegiado, além da sensibilidade aguçada que possui ao escrever canções. O envolvimento emocional do autor com sua obra atrapalha-o, confunde-o. Tente imaginar um poeta, um escritor ou um compositor que, diante de sua criação, pergunta-se: o que eu quis dizer com isso? Ou, pior: como esse texto pode ser interpretado? Não é essa a função do artista.
Eis uma outra questão: quem tem a última palavra sobre um texto literário? Qual a interpretação tão correta quanto definitiva? Claro que interpretações pressupõem elementos que as justifiquem, mas a arte – como um todo – pode (e deve) possui inúmeras significações. Eis sua beleza e sua função: multiplicar-se em significados. Textos literários cuja interpretação não é variável correm o risco de não serem tão literários assim. Ou de serem mal escritos. Enfim, é um debate que merece atenção. Por enquanto, no meu caso, fico assim: torcendo para não precisar resolver uma questão sobre meus próprios livros.