Se Sam Peckinpah estivesse vivo, teria feito cem anos ontem, 21 de fevereiro. É um dos grandes do cinema, a meu ver. Claro, claro: intelectual que se preza aprecia os cinema europeu, iraniano, paquistanês, e agora, o coreano. Eu ainda acho que o cinema norte-americano produziu o que de melhor houve entre 1940 e 1970. Não sou papalvo. É evidente que reconheço o valor de Antonioni, de Truffaut, de David Lean, de Saura, de Buñuel — e de mais um batalhão de cineastas que ajudaram a moldar o século XX. Há, entretanto, os norte-americanos, tão demonizados pela intelligentsia, e vistos como vendilhões da sétima arte.
E Sam Peckinpah? Bem, esse senhor dirigiu 4 filmaços, para dizer o mínimo. Sob o domínio do medo, Meu ódio será tua herança, Os Implacáveis e Tragam-me a cabeça de Alfredo Garcia. Violento e brutal, o cineasta implementou uma marca fílmica muito pessoal, realista, abusando — no bom sentido — da sensação de angústia e claustrofobia a que os personagens eram submetidos. Irônico, apresentou ao espectador o mundo não como ele é, mas como ele é concebido pela falta de escrúpulo, pela ganância e — enviando as boas intenções às favas — pelo ódio que o ser humano nutre por outro. Embora Meu ódio será tua herança seja considerado sua obra-prima, gosto mais de Sob o domínio do medo.
Peckinpah foi, num certo sentido, um rebelde. Era neto de um cacique paiute — talvez daí seu pendor para os faroestes. A mencionada violência não é, em momento algum, louvada: ela é apenas consequência (e muitas vezes reação) das relações humanas. Ok, há um certo exagero: banhos de sangue em Meu ódio será tua herança, a multiplicação de cadáveres em Alfredo Garcia, o estupro e a matança em Sob o domínio do medo. À época, causou furor, vômitos e protestos. Se comparada com os filmes de hoje, a violência é quase pueril. Eu disse quase.
Houve uma geração — hoje, senhores de 80 anos — que salvou Hollywood: Coppola, Cimino, Spielberg, De Palma, Lucas, Scorsese, Altman e, claro, Peckinpah. Quase todos sofreram nas mãos dos produtores, mas alguns sofreram mais. Pat Garret e Billy the Kid penou nas mãos de Gordon Carroll, o manda-chuva que tentava mostrar, em vão — claro! —, como Sam devia trabalhar. E olhe que Peckinpah, oriundo da tevê, era especialista em westerns! Conseguiu até fazer Bob Dylan atuar! O cinema norte-americano, hoje, tem lampejos de genialidade, mas vive certo marasmo mesmo gerando milhões nas bilheterias. Falta um Sam Peckinpah para chacoalhar a indústria.