A água funda da Sra. Guimarães

Quem é a grande escritora brasileira? Rachel de Queiroz? Clarice, Conceição Evaristo? Cecília, Hilda Hilst, Lygia Fagundes, Nélida Piñon? Primeiramente, não se deve, sob hipótese alguma, comparar uma com a outra, embora o superlativo melhor já embuta, em seu ventre, a comparação. Tudo bem: vamos em frente. Entre tantas escritoras mencionadas neste parágrafo ou não , fico com Ruth Guimarães, autora do brilhante Água Funda. Mulher preta num mundo de homens brancos (o Modernismo brasileiro), rivalizou, em linguagem e tema, com o totem João Guimarães Rosa. Encarou o mineiro com potência.

Ruth Guimarães: a primeira escritora brasileira negra conhecida nacionalmente - Lab Dicas Jornalismo

Li Os filhos do Medo, que chegou a mim numa cópia xérox, pirata, nos anos 1980, quando apenas os iniciados – coisa que eu não era a conheciam. Um tempo depois, talvez uma década, assisti a uma palestra de Alfredo Bosi, na USP, sobre a chamada fase 3 do Modernismo brasileiro: e lá estava Ruth Guimarães, metonímica. Bem podia estar lá em pessoa (como disse o professor Bosi), já que, ainda viva, beirava os 70 anos. Foi enaltecida com justiça, e nessa palestra, ouvi pela primeira vez elogios à obra Água Funda, um romance marcado pelo realismo mágico, que fez a cabeça de uma geração antes da minha.

Água funda | Amazon.com.brÁgua Funda é uma maravilha, um clássico, um livro para ser lido e relido. É a obra-prima. É o mundo caipira que se funde à linguagem musical: é o coloquial em namoro com o erudito. E isso tudo de forma a criar no leitor tanto a curiosidade pela trama quanto o embevecimento diante da forma de narrar. Há humor, angústia, tragédia, sexo, misticismo, fé, moralidade e dor. O que escapa a Ruth Guimarães? Nada. É um romance completo, se é que isso existe. Bem, se existe, eis aqui o exemplo.

Ruth Guimarães é chamada escritora afro-brasileira. Isso me soa resumitivo, embora necessário. Ela vai além, muito além do que representa a etnia, embora seja fundamental mostrar que uma mulher negra foi capaz de fazer grande literatura. Suas herdeiras, como Conceição Evaristo, Djamila Ribeiro e Sueli Bispo, compreendem essa necessidade. Eu também assim como compreendo que esse espaço de escritora negra é uma conquista, mas não definitiva. É preciso continuar a produzir, e divulgar essa produção. E, se puder, ler Ruth Guimarães.

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Francisco Grijó

Francisco Grijó, capixaba, escritor, professor de Literatura Brasileira. Pai de 4 filhas.

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