Para muita gente, Maria Bethânia é a melhor intérprete da MPB. Não entro no mérito se é ou não a melhor cantora — mas, repito, é a melhor intérprete. É sensual, positiva, dramática, divertida, carismática. E sabe cantar, usando extraordinariamente bem o privilégio de ser contralto. É afinadíssima, e parece, num palco, ser tão absoluta quanto única. Faz isso há 60 anos, desde o compacto em que brilhou cantando Carcará, de João do Vale. Eis o que quero dizer: é uma cantora estável e criteriosa, que escolhe seu repertório com lupa e bom gosto. É a maioral — a voz brasileira viva.
Para outros tantos, Chico Buarque é o melhor compositor brasileiro — na MPB. Não tem rivais, apesar de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Edu Lobo e Belchior terem produzido canções tão espetacularmente imortais quanto as dele. Chico é hábil, ligeiro, lírico, malandro, letrista de primeira — assim como sambista de excelência. É provavelmente o melhor intérprete de suas canções, e há quem, não sem certo equívoco, diga que ele canta mal. É afinado também, e muito. Hoje canta menos, porque — infelizmente — tem se dedicado a escrever romances. Uma pena. Nasceu em junho, assim como Bethânia, e, naquele mesmo mês, há 50 anos, juntou-se a ela para um show antológico: Chico Buarque & Maria Bethânia ao vivo.
É o melhor disco ao vivo que conheço, na MPB. O Chico sambista acompanha os outros Chicos; a Bethânia sóbria desaparece, mesmo quando canta a belíssima Camisola do dia, de Herivelton Martins e David Nasser, ou Sonho Impossível, na versão de Chico. É feroz ao interpretar Raul Seixas, em Gita, ou o próprio companheiro de palco, em Sem Açúcar. A voz, mesmo sem muito alcance, está a serviço da interpretação dramática e certeira, emotiva na medida necessária. É, ao lado de Elizeth e de Elis, a grande intérprete da música brasileira. Engole o enganosamente tímido Chico, ao cantarem juntos, no desfecho do show, Quem te viu, quem te vê, Noite dos Mascarados e Vai Levando. E, claro, a extraordinária Sem Fantasia.
Falei do sambista Chico? Pois é — seja por meio de suas canções, ou de obras alheias, o samba manda o recado. Olê, Olá, Gota d’água e Notícia de Jornal (de Haroldo Barbosa e Luís Reis) são homenagens do compositor ao gênero que o consagrou. As obras-primas Flor da Idade e Bem-querer, ambas do drama em versos Gota D’água — sua parceria com Paulo Pontes — são pontos altos do show. Ah, claro: e há um ponto mais alto, a meu ver: Sinal Fechado, obra singularíssima de Paulinho da Viola, é levada pelos dois, num diálogo que deixa qualquer fã de música mais feliz. Vale ouvir todo o disco. E, antes que eu me esqueça, parabéns adiantados aos 3 envolvidos na postagem.