Massaud Moisés é figura obrigatória em qualquer curso de Letras, e merece – deve, na verdade – ser lido por professores, por estudantes e por quem se interessa por literatura. É um craque nas palavras, principalmente quando escreve sobre algum objeto definido: um escritor escolhido, uma obra de destaque, um gênero específico. É autor de livros seminais, como A Literatura Brasileira através dos textos, A Criação Literária e o essencialíssimo Dicionário de termos literários. Ao lado de Alfredo Bosi e Antônio Cândido, forma a tríade masculina da teoria literária brasileira.
Machado de Assis, bem, não há necessidade de que eu o apresente. O que realmente é necessário é mostrar quando essas duas figuras se encontram. Em Machado de Assis: Ficção e Utopia, um encontra o outro, e da maneira mais elegante possível. O adjetivo em itálico justifica-se, porque a linguagem de Massaud Moisés é de uma clareza tão absoluta que suas reflexões acerca do enormíssimo Machado tornam-se elegantes. É bom de se ler justamente por isso – além de, no meu caso, aprender um bocado.
Os ensaios contidos no livro não são inéditos. Foram publicados desde 1958 em revistas, suplementos literários – muitos deles no Caderno de Sábado, do Jornal da Tarde, na década de 1990. Recomendo a leitura de todos os 14 ensaios, mas um deles – justamente o que intitula a coletânea – é tão precioso quanto fundamental. Partindo de Brás Cubas, o notável professor traz uma ideia inédita: como o escritor-chave do Realismo brasileiro pode ser um utopista? Lá pelas tantas, ele nos diz: “Mirando-se no espelho do texto, contemplando os semelhantes transfigurados em personagens, o leitor dá-se conta da imperfeição do mundo e a um só tempo sente-se atraído pela promessa de um mundo melhor aqui na terra.” Genial.
Massaud Moisés faz o que não havia sido feito: conecta Machado a Eça de Queiroz e a Proust (que viria depois); desmistifica a oposição entre os dois Machados: o romântico e o realista; apresenta a ideia de que o adultério de Capitu é algo secundário em Dom Casmurro. E por falar em Capitu, há um ensaio sensacional em que o professor conecta Minha Vida de Menina, de Helena Morley, publicado em 1942, com a heroína Maria Capitolina. É uma das melhores coisas do livro. Bem, se você nunca leu os textos críticos de Massaud Moisés, pode começar por esse. Além de traduzir o sempre necessário Machado de Assis, dá uma aula de como pensar literatura.
Em tempo: seu nome é pronunciado “Massaúde” e não “Massô”. Ele era descendente de libaneses; não de franceses.