Pedro: poeta & bispo

A segunda vez que ouvi falar de Dom Pedro Maria Casaldáliga foi ao ouvir, assim que veio ao mundo, em 1982, o disco Missa dos Quilombos, de Milton Nascimento. É um disco de rara beleza, de temática social e cristã, gravado na Igreja de Nossa Senhora dos Homens, em Minas Gerais. É, de fato, uma missa musical, estruturada para ser primordialmente ouvida. Mas não é sobre Milton que quero falar – e sim sobre um dos parceiros (o outro é Pedro Tierra), o bispo católico nascido na Espanha – era catalão – e naturalizado brasileiro, defensor dos direitos humanos, taxado de comunista por invasores de terra, que o juraram de morte.

E quanto à primeira vez? Também com a participação de Milton, no encarte do disco Sentinela, de 1980: um dos melhores discos desse artista extraordinário. Mas repito: Milton, nesta postagem, é secundário. Em primo plano está o bispo, a figura ímpar, o ativista, para muitos o santo (epíteto que sempre descartou, sem qualquer falsa modéstia). Religioso e hábil com as palavras, um herdeiro de Vieira, célebre orador. Casaldáliga, humanista como o padre seiscentista, indignou-se com o tratamento aos povos nativos, originários – antigamente chamados de índios. Dedicou-se, de corpo, alma e palavras, a defendê-los. A eles e aos trabalhadores rurais, que carinhosamente o chamavam de Pedro. Ei-lo:

Evangelizou sem colonizar, porque sabia que eram termos excludentes. Foi um poeta social, para quem as palavras deveriam servir à liberdade, à justiça, à luta. É, nessa seara – assim como Pe. Antônio Vieira, mais uma vez – autor de Versos Adversos, dentre vários textos. Se quiser ler, AQUI você consegue. O prefácio é de um dos meus ídolos literários, o professor Alfredo Bosi. Para muitos, a religião, algo limitador, é incompatível com a arte – elemento libertador. Não sei. Sem a religião, o que seria da obra de Bach, de Vivaldi, de Palestrina? Essa questão fica para depois.

VERSOS ADVERSOSSua poesia é contundente, ao mesmo tempo que lírica. O domínio da palavra é tão evidente quanto a fé que, edificada, alicerça sua visão de fraternidade, amor ao próximo, luta contra a desigualdade e em prol da paz entre os homens. Ele sabe, entretanto, que a paz é consequência do ânimo e da união. Sabia o que estava dizendo, e o dizia de forma simples, sem arroubos sentimentais ou arabescos verbais. Era um poeta em sua essência: vivo para quem metonimicamente o ler. Hoje, 16 de fevereiro, ele faria 97 anos. Ave, Pedro!

About the author

Francisco Grijó

Francisco Grijó, capixaba, escritor, professor de Literatura Brasileira. Pai de 4 filhas.

2comments

Leave a comment: