Cinquenta anos de Tropicalismo. Não é para qualquer um – ainda mais se considerando que ele morre e renasce na mesma rapidez, mesmo sem nunca ter entrado em decomposição. O que isso quer dizer? Simples: por mais que digam que o movimento morreu, em essência ele se manteve vivo e pulsante. Sim, muita gente recusa essa ideia – e isso inclui, em alguns momentos de proposital desatino, o próprio Caetano Veloso, um dos pais do movimento. Dois livros, dentre muitos sobre o assunto, merecem um destaque mais que especial. Um deles, divertidíssimo e ao mesmo tempo esclarecedor, é Marginália – Arte e Cultura na Idade da Pedrada, de Marisa Alvarez Lima, jornalista que privou com os tropicalistas e escreveu artigos para revistas como O Cruzeiro e A Cigarra.
O que há de sensacional e saboroso no livro não é a representatividade teórica do movimento, mas a visão dos envolvidos no processo. O ideal de ingenuidade, aliado a uma poderosa criatividade antropofágica, faz do livro um documento único. Artigos sobre Ligia Pappe, Helio Oiticica, Maria Bethânia, Jorge Guinle Filho, Antonio Dias, cenas (orais e fotográficas) do casamento de Caetano Veloso e Dedé Gadelha, entrevistas com Gilberto Gil, Jean-Pierre Léaud, opiniões sobre os parangolés de Oiticica e muito mais. Muito mais mesmo. Quase 180 páginas de frescor, um certo saudosismo, e uma grande oportunidade de a meninada de agora, que pensa que os rappers são os bam-bam-bans, entender o que realmente é transgressão. Um livro essencial. Um tanto incômodo de manusear por conta de suas dimensões, mas isso é detalhe.
O outro, mais analítico, mais acadêmico e tão fundamental quanto o de Marisa Alvarez, é Tropicália – Uma revolução na cultura brasileira, cujo organizador é Carlos Basualdo, curador da exposição homônima e internacionalmente itinerante montada pelo Museu de Artes Contemporâneas de Chicago. O livro não se resume à música ou a textos. As artes plásticas, o cinema, o teatro, o design gráfico, a arquitetura e a moda são temas explorados porque, num certo sentido, foram influenciados pela estética tropicalista que, por si, já é uma releitura do Manifesto Antropofágico, de Oswald de Andrade, em 1928. Assim como tal manifesto, o Tropicalismo encara criticamente a realidade cultural brasileira.
É um livro abrangente: textos da professora Flora Süssekind, da ensaísta (e também professora) Ivana Bentes, do pesquisador Celso Favaretto, do antropólogo e pesquisador musical Hermano Vianna, muitas fotografias, muito registro de época, boas discussões acerca da influência do movimento no que se pode chamar de cultura brasileira. Um trabalho de fôlego, com opiniões de gente indiretamente envolvida no Tropicalismo, como Augusto de Campos, Augusto Boal e Glauber Rocha. Se quiser saber sobre o que se fez, dentro e fora do movimento, é bom ler esse livro. É o máximo em informação, embora se dê pouca atenção à história cronológica do que se fez, à época. Para isso, recomendo um livro de 20 anos, completos agora: Tropicália – A História de uma Revolução Musical, de Carlos Callado. Vale a pena também.
Continuo ouvindo os tropicalistas. Mantenho, em vinil, todos os discos que adquiri no início dos anos 1980, quando o movimento tinha deixado de sê-lo fazia uma década. Continuo consumindo o rock dos Mutantes, continuo firme e reverente a Caetano, Gil e Gal. Sempre que posso revisito os arranjos sobrenaturais de Rogério Duprat e leio os textos jornalísticos e poéticos de Torquato Neto. De Tom Zé sempre desconfiei, mas isso é outro papo. Eis os principais responsáveis por esse senhor de 50 anos, tão vivo quanto uma criança, pronta para viver muito mais tempo: