Em 1972 , Chico Buarque (que aniversaria hoje) e Caetano Veloso resolveram estapear a mídia, que insistia em rivalizá-los, afinal um era tropicalista e outro, herdeiro do samba e artífice da MPB. Para muita gente, eram opostos, um querendo comer a jugular do outro. Coisa de jornalista que nada tinha a fazer. O tapa de luvas (de boxe) deu-se em forma de show no Teatro Castro Alves, em Salvador. O resultado desse show – cuja duração desconheço – foi um disco gravado e distribuído pela Polygram. É o disco do mês do blogue, como se pode ver, à sua direita. A capa está abaixo:
Agora pasme: as canções, juntas, adicionadas às manifestações efusivas do público (sobre as quais falarei daqui a pouco) somam 35 minutos e 48 segundos. Você leu direito. O show, a contar pelo disco, não chega a 36 minutos. Qualquer pessoa minimamente inteligente percebe que há coisa errada aí. E essa coisa errada tem um nome: censura. Imposta, evidentemente, pelos militares e aplaudida pelos papalvos que a apoiavam. O governo Médici, sanguinário e truculento, mostrava sua força contra os artistas.
Se você já ouviu esse disco – creio que sim! -, percebeu que, em algumas canções, a efusão do público (assobios, palmas) foi grotescamente enxertada, com o objetivo de não permitir ao ouvinte uma audição plena do que se cantava. Sem contar que algumas canções – Bárbara, de Chico, e Tropicália, de Caetano – tivessem parte de sua letra simplesmente riscada do mapa. A isso chamo vilipêndio. Abaixo, ambos, nas areias da praia, em Salvador. Há 50 anos.
Não conheço ninguém que tenha ido a esse show. Gostaria de conhecer, para que algumas perguntas pudessem ser respondidas. Duas delas: o que Chico e Caetano conversavam com o público, entre uma e outra canção? Outra: qual foi, mais ou menos, a verdadeira duração do show? Durante anos quis saber qual o repertório que foi apresentado à censura. Chico havia lançado, um ano antes, o discaço Construção, e nenhuma canção do disco foi executada – com exceção de Cotidiano. E apenas duas canções da trilha sonora de Quando o Carnaval chegar, filme de Cacá Diegues: Partido Alto e Bom Conselho.
E quanto a Caetano? Nenhuma canção dos seus discos de 1971 – composto no exílio londrino, intitulado Caetano Veloso – e de 1972, Transa. Enfim, a mutilação foi longe, exemplo da truculência de uma época que ninguém (ou quase ninguém) quer que volte. Na sequência – outra postagem – você saberá quais as canções propostas pelos artistas para o show.