Manara, Enard, palmadas

É antiga a discussão acerca do fato de quadrinhos serem ou não arte. Isso pouco importa; para mim faz pouca diferença. Leitor de Superman desde fins dos 1960, acompanho com interesse – que se renova a cada navegada na internet – o que aparece de novo e o que, mesmo mais antigo, permanece atual: Moebius, Alan Moore, Enki Bilal, Frank Miller, Milo Manara, a rapaziada o El Víbora e da Heavy Metal, Guido Crepax, Boris Valejo, Serpieri, Alex Raymond, Will Eisner et alli. Nesses tempos de poucos intervalos ociosos, reli A Arte da Palmada, criação conjunta de Milo Manara (traço) e Jean Pierre Enard (texto).

Manara já se consagrou: Gullivera e O Click são de fazer qualquer um boquiabrir-se. Suas mulheres, e principalmente a anatomia delas, são colírio até para os cegos. Comprei O Click na saudosa Don Quixote; Gullivera eu li nas páginas da Heavy Metal brasileira – infelizmente não mais reeditada. Mas, como interessado em palavras, atenho-me ao texto de Enard, escritor francês que morreu em 1987, aos 44 anos. É autor de um belo romance, Fragmentos do Amor, e de um livro de título no mínimo curioso: Um bom escritor é um escritor morto, que não li, mas quero ler.

Em A Arte da Palmada, que é literatura pornográfica de alta voltagem, uma mulher de nome Eva Lindt, cronista especializada em escândalos de celebridades, encontra um estranho homem – Donato Casanova – num vagão de trem. Esse homem traz consigo um caderninho verde, no qual conta suas aventuras sexuais regadas, principalmente, à arte de dar e levar palmadas. É um elogio ao corpo feminino, mesmo que pareça exatamente o contrário: afinal, em mulheres não se bate. A tal Eva é surpreendida por uma nova visão do sexo, o que a deixa estranhamente interessada no texto e no seu autor. Jean Pierre Enard sabe manejar as palavras. O texto (na tradução) é enxuto, por vezes metafórico, altamente irônico, vigorosamente debochado. Sei que em tempos politicamente corretos, é um risco elogiar um texto no qual se fala sobre violência contra a mulher – mesmo que tal violência seja permitida e estimulada pela vítima. Eis o autor:

As ilustrações de Milo Manara, entretanto, são o que existe de mais eroticamente saboroso nos quadrinhos – mais até que a heroína futurista Druuna de Paolo Serpieri, de quem falarei numa outra oportunidade. A propósito: de Manara já falei, aqui no blog. Sobre ele e outra mulher (avessa a qualquer tipo de violência): Brigitte Bardot. É só checar, voltar algumas semanas.

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Francisco Grijó

Francisco Grijó, capixaba, escritor, professor de Literatura Brasileira. Pai de 4 filhas.

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