Bueno, Contracultura, Cassidy

Eduardo Bueno é um jornalista que sabe escrever, sabe ir além do texto jornalístico e de suas regras de como fazer o leitor entender – muitas vezes o óbvio.  Ir além do texto jornalístico, para mim, é aproximar-se da literatura. Não espere, claro, que eu o compare a Tom Wolfe, a Truman Capote ou ao meu preferido, Gay Talese, craques do new journalism. Se é para iniciar esta postagem com alguma comparação, aproxime Eduardo Bueno de Ruy Castro, de Fernando Moraes. Devo dizer que esse não é o propósito deste texto.

Li, há pouco mais de dois meses, Textos Contraculturais, Crônicas Anacrônicas & Outras Viagens, do dito cujo. Uma reunião de textos – quase todos ótimos – sobre um tema que me interessa: contracultura. Escrevi sobre isso na biografia Os Mamíferos…, mas não é sobre mim que quero falar. Contracultura não é tema explorado há pouco tempo. Contracultura é, evidentemente, algo tão antigo quanto a cultura per si. O Iluminismo foi contracultural, bem como o Modernismo, catapultado pelas vanguardas que a Europa gerou. Enfim! Eduardo Bueno reúne textos que publicou entre 1984 e 2010, e mais um texto inédito, intitulado Quatro Mil Dólares e uma Ponta.

A maioria dos leitores de Bueno – aos menos aqueles que conheço – tiveram contato com ele pelos livros publicados pela Estação Brasil. Livros de História escritos por um jornalista – quer algo mais contracultural? Ao contrário deles, cheguei a Bueno através do livro Alma Beat, no qual se encontravam textos de outros simpatizantes do movimento, como Claudio Willer (tradutor de Lautreamont) e Antonio Bivar. Todos bons de traço, mas Eduardo Bueno era mais rock and roll, mais ácido, e tão divertido quanto esclarecedor. Eu tinha 22 anos, já era professor e pude ver o quanto eu não sabia – e quanto era necessário aprender!

Voltando ao livro: de todos os textos (16, ao todo), sem contar as crônicas, o que mais me chamou a atenção foi Visões e Revisões de Jack & Neal, escrito e publicado há 10 anos, no qual Bueno apresenta o tom de beatitude que exsudava da figura de Neal Cassady, um dos heróis da geração beat. É nesse texto que Bueno parece se emocionar, parece entregar-se ao que o movimento tinha de mais verdadeiro e honesto, mais inquieto e pujante. Há muito mais a dizer, mas um blogue precisa economizar as palavras, ou não será lido. Ok, não precisa perder seu tempo, mas ganhe de outro lado: leia o livro de Eduardo Bueno. É uma viagem de ida da qual não é necessário voltar.

Ben Webster aos 110

Vivo estivesse, Ben Webster faria, neste 27 de março, 110 anos. Ao ouvi-lo pela primeira vez, no coração dos anos 1980, achei que exagerava nos vibratos. Tudo bem, era um disco de baladas, duplo, da Verve, intitulado – claro! – Ballads. A capa está abaixo, e traz a ilustração de um sapo ao saxofone. Ben tinha esse apelido, Frog. Voltando ao disco (o qual, depois, revi sobre ele minha opiniões): gravações quase definitivas de Willow Weep for Me, Come Rain or Come Shine, Blue Moon, Teach Me Tonight, My Funny ValentineSophisticated Lady e minha preferida: There’s No Greater Love. Só baladas clássicas, em cujas execuções Ben Webster se faz acompanhar por um escrete.

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Só para se ter uma ideia: Hank Jones, Thad Wilson e Billy Strayhorn aos pianos. Só a presença desses três senhores já vale o ingresso. Mas há mais: as baterias estupendas de Louis Bellson e de Jo Jones e o contrabaixo de Ray Brown. Se na época impliquei com os vibratos – que, percebo hoje, aveludam a melodia -, minha opinião era nada mais que a ingênua apreensão de um músico que habita o panteão dos grandes sax tenores do jazz. Hoje, felizmente, posso ouvir esse disco tão magnífico quanto essencial (possuo em vinil e em cedê) a quem aprecia o jazz. Felizes 110 anos, Ben! (numa foto de Jan Persson):

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Bach, Brandenburgo

Hoje, dia 21 de março, é dia de Bach – ou melhor, há 334 anos, nascia uma das maiores – senão a maior – personalidades artísticas de todas as épocas: Johann Sebastian Bach. Para mim, maior que Shakespeare, Cervantes, Michelangelo, Dante, Nijinsky, Rembrandt. Sim, é bobagem comparar, mas diverte. Em homenagem ao Kantor, aí vai o que, para muitos, é sua maior obra: os Concertos de Brandenburgo, escritas em 1721 para o Margrave de Brandenburgo, que, segundo consta, sequer agradeceu a generosidade. Não sei, mas deve ser o som celestial, aquele que se ouvirá ao lado do Criador. É música criativa, contrapontística – barroca em sua essência -, viva e alegre, multi-instrumental. Extraordinária, resumindo.

Fala! #8: Campos de Carvalho

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“Em repouso sou um celibatário, o eterno virgem; agora, não somente eu violentaria toda essa gente como à minha própria família se preciso. Aceito-me tal como sou, seria o último dos imbecis se não me aceitasse: foi-se o tempo em que, a tábua de logaritmos debaixo do braço, tentava conciliar todas as minhas contradições, norte sul leste oeste, como se faz diante de um planisfério. Meu habitat nada tem a ver com este universo em que respiro, seria o mesmo que confundir a luz e a sua lâmpada, o morto e o que foi e continua sendo a sua consciência: por trás destes óculos existem o troglodita e o seu tataraneto, e o tataraneto do seu tataraneto, e ainda o meu bisneto e o seu bisneto, até o homem das cavernas do século XXX.”

Vaca de Nariz Sutil

 

As formas de Brecheret (antes do recesso)

Victor Brecheret é o único escultor de quem se fala quando a Semana de Arte Moderna vem à superfície, seja em conversas frugais, seja em debates acadêmicos. É um nome de peso, um artista fenomenal um tanto eclipsado pelos pintores Cândido Portinari, Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral, todos eles titãs do Modernismo brasileiro. Brecheret não participou da semana de corpo presente. Morava na Europa, onde adquiriu boa parte do que sabia, embora o país em que sempre desejou ter nascido fosse aquele que habitou na infância e adolescência: Brasil – especificamente são Paulo, onde se situa parte de sua nobre obra, como o Monumento às Bandeiras, de 1953:

                                                              

Só a obra citada já valeria para deixar gravado seu nome na arte brasileira. Não sendo um homem religioso, Victor Brecheret foi capaz de criar esculturas que representassem justamente aquilo que a Igreja tem de mais valioso: sua simbologia histórica que, na maioria dos casos, serve como antessala para a religiosidade e para a fé. Santa Ceia, de 1935, é uma peça de raríssima beleza, assim como Anunciação, de 1943 (três figuras abaixo) e a ilustração seguinte, Sóror Dolorosa, de 1920. Brecheret era italiano e, por isso, trazia a herança familiar católica, que embutiu em algumas peças.

 

 

Minha preferida: Portadora de Perfume, acima. Um exercício formal de 1924 que, segundo especialistas, não é nem de longe fácil de criar. Com mais de 3 metros de altura, é um dos monumentos mais belos de São Paulo. Claro: é opinião pessoal. Geometricamente bem articulado, o movimento de perna esquerda e braço direito parece expor uma coreografia que é centrada no equilíbrio do pote de perfume  no ombro direito. É uma beleza, assim como é bela uma outra mulher, Musa Impassível, de 1923, em homenagem a Francisca Júlia, único nome feminino importante do Parnasianismo brasileiro. Aliás, esse monumento ilustrou, por 80 anos, o túmulo da poeta.

 

 

E como nem de religiosidade vive o homem, eis duas peças que, numa avaliação rápida, podem ser consideradas profanas: Fauno, de 1942, hoje encontrada próxima ao Masp, no parque Trianon, e Ídolo, de 1919. Dois trabalhos de excelência de um artista que nasceu em 15 de dezembro, há 124 anos. Sem ele, provavelmente a escultura brasileira não teria conhecido as nuances do Modernismo. Não teria absorvido as tendências das vanguardas que a Europa criara nem seria a representação de uma sociedade que se distanciava do conservadorismo e flertava com o progresso industrial. Victor Brecheret, para muitos, é o maior escultor brasileiro de todas as épocas – mesmo sendo italiano.

Ei-lo, trabalhando:

Fala! #7: Clarice Lispector

Porque, embora meu, nunca me cedeste nem um pouco de teu passado e de tua natureza. E, inquieto, eu começava a compreender que não exigias de mim que eu cedesse nada da minha para te amar, e isso começava a me importunar (…) Não me pedindo nada, me pedias demais. De ti mesmo, exigias que fosses um cão. De mim, exigias que eu fosse um homem. E eu disfarçava como podia (…) Oh, eras todos os dias um cão que se podia abandonar. Podia-se escolher. Mas tu, confiante, abanavas o rabo (…) Agora estou bem certo de que não fui eu que teve um cão. Foste tu que tiveste uma pessoa.”

“O Crime do Professor de Matemática”

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