A melhor noite de 67

Nos últimos dias tenho falado a meus alunos sobre Tropicalismo, o movimento musical cujas características e personagens já foram abordados em questões do ENEM. Há pouco mais de um ano, aqui mesmo, neste blogue, escrevi sobre o assunto. Retomo-o, afirmando – e digo isso a meus alunos – que não se chega ao Tropicalismo sem passar pela Bossa Nova, pelo samba, pela Jovem Guarda, pelo rock e pela Antropofagia de Oswald de Andrade. E, claro, pelos festivais da canção, que apresentaram, em fins dos anos 1960, o que de melhor se produzia (e produziu) em termos de canção. Foram os festivais que nos proporcionaram conhecer Chico Buarque, Edu Lobo, Caetano Veloso, Gilberto Gil – e um sem-número de outros compositores que, hoje, habitam o panteão da música popular nacional. Abaixo, Caetano canta Alegria Alegria, acompanhado pelos Beat Boys.

Recomendo a eles que assistam ao documentário Uma Noite em 67. É possível assistir a ele, na íntegra, AQUI. Dirigido por Renato Terra e Ricardo Calil, esse doc, de 2010, traz imagens inéditas não somente de cenas de palco, mas há algumas pérolas brotando dos bastidores do evento. Isso sem contar nos comentários, quase 50 anos depois, de gente que, de uma forma ou de outra, esteve envolvido no processo. Jurados, maestros, críticos e, claro, os compositores e cantores que se apresentaram nessa noite tão absolutamente singular. E ainda há a cena completa de Sérgio Ricardo quebrando o violão e arremessando-o para a plateia.

O livro é ainda melhor: traz as entrevistas completas com aqueles que estiveram no Teatro Paramount, local do Festival da Record, capitaneado por Paulo Machado de Carvalho (um dos entrevistados do livro). Aliás, é ele quem revela ter ido buscar Gilberto Gil no hotel, já que o compositor baiano recusava-se, dominado pelo pavor de um palco de festival, a apresentar sua obra-prima Domingo no Parque, que abocanhou o segundo prêmio e ainda serviu de embrião para o movimento tropicalista. Outro embrião é Alegria Alegria, de Caetano Veloso. Também revelou que Roberto Carlos (que não é entrevistado no livro) pediu para nunca mais participar de festivais.

O livro é tão saboroso quanto necessário. É um relatório, uma súmula do que foi o maior dos festivais. Depoimentos de Nelson Motta, Júlio Medaglia, Chico de Assis e Ferreira Gullar abrilhantam as páginas. É o documento de uma época em que os compositores tinham realmente que possuir talento para eternizar-se, e os 5 primeiros colocados (Edu Lobo, Gilberto Gil, Chico Buarque, Caetano Veloso e Roberto Carlos, em ordem decrescente) tinham isso de sobra. Eram os melhores naquele tempo e continuam os melhores atualmente, 51 anos depois. Quem pode lhes substituir?

Dirceu, que era baterista, toca berimbau. Gilberto Gil canta Domingo no Parque.

Roberto Carlos canta o samba Maria, Carnaval e Cinzas

Chico Buarque e sua Roda-Viva, acompanhado pelo MPB4

Marília Medalha, ao microfone, acompanhando Edu Lobo, ao violão. A campeã Ponteio é aclamada.

Paulo, Henry

Em épocas de juvenismo político, quando autores de direita me ameaçavam tanto quanto a gripe que escorria de minhas narinas, cheguei a imaginar que Paulo Francis era um idiota, um pascácio de ideias curtas. Eram os anos 1980, quando ele aparecia no quase fechamento do último telejornal noturno da Globo, comentando sobre costumes, arte, comportamento, jornalismo, música clássica, exposições, livros, teatro – tudo, evidentemente, do e no país em que vivia, os Estados Unidos. A voz era inconfundível, carregada de desprezo por aqueles que discordavam dele e uma certa arrogância com quem o admirava. Blasé ao extremo.

Resultado de imagem para o livro dos insultosEu disse, há algumas postagens, que Diogo Mainardi queria ser Paulo Francis. Digo e repito. E falo mais: Paulo Francis queria ser Henry Louis Mencken, o temido jornalista norte-americano cujas observações – tão lúcidas quanto ácidas – de natureza cultural, política, religiosa, econômica, pautaram o quotidiano norte-americano durante 60 anos. Era uma fera indomável, marcado por um profundo conhecimento sobre o assunto que dissertava. Batia em quem considerava medíocre ou desprezível: padres, pseudointelectuais, políticos aproveitadores, escritores de segunda linha, artistas pretensiosos. Não poupou ninguém – a não ser quem merecia.

Cada um a seu modo, tanto Paulo Francis quanto H. L. Mencken são necessários. Precisamos de figuras assim, capazes de encarar a realidade sem as indulgências advindas da política, da grana, do aconchego da estabilidade no ofício, do mercado que dita as regras. Tanto um quanto o outro adquiriram o status do intelectual cáustico, capaz de enfrentar o establishment de maneira nem sempre elegante. Tinham muito a dizer sobre vários assuntos, marcando o território com a polêmica tão necessária a qualquer discussão entre indivíduos ou grupos inteligentes. O Livro dos Insultos de Mencken, publicado em 1988, é uma coletânea, selecionada por Ruy Castro. São textos extraídos de A Mencken Chrestomathy. Um iconoclasta de primeiríssima linha. Merece a leitura.

O livro de Francis é organizado pelo jornalista Nelson de Sá – e ao que parece, seu fã. Selecionou bem. Há artigos de toda sorte: da hipocondria de Woody Allen ao populismo de Jorge Amado; da burocracia de Gorbachev ao cinema de Coppola, passando por Freud, Truman Capote, Cacilda Becker, políticos como Lula, Collor, Brizolla e…Henry Louis Mencken, a quem admirava por motivos óbvios. É divertido ouvi-lo desancar alguns ícones, debochar da boçalidade e da jequice de alguns artistas, sejam brasileiros ou estrangeiros. O livro também merece uma checada. São 386 páginas de puro deleite, se você aprecia ataques à mediocridade.

Para ler frases de Mencken, clique AQUI.

Se quiser ler alguns aforismo de Francis, clique AQUI.

O quase cinquentão Abbey Road

George Martin, produtor e orquestrador que gozou da intimidade dos Beatles, dizia aos quatro cantos que Abbey Road, disco de 1969, era a obra-prima do quarteto que revolucionou a música pop. Quase sempre se usa a expressão pop com certo desprezo hipócrita, como se o termo impusesse à música – como um todo, melodia e texto – depreciações inevitáveis. Besteira. Abbey Road, gozando sua ideologia pop-rock, é um disco de primeira, dos melhores já feitos e, no meu caso, concordo com George Martin: é o melhor dos Beatles. Aliás, há umas poucas postagens, afirmei que é um dos melhores discos de rock que conheço.

Sei que há quem afirme que Sgt. Pepper’s é melhor. É avaliação subjetiva, claro, assim como a minha e de George, mas, mesmo as subjetividades são (ou devem ser) justificadas. Primeiro: Harrison mostra os dedos (e a voz) afiados em dois temas que se tornaram clássicos: Something e Here Comes the Sun estão na ponta da língua de qualquer cinquentão de bom-gosto. Eu, por exemplo. A musicalidade de Something é algo fora do comum – e repare que os recursos para se chegar a ela são simples, quase primários. Mas tente fazer para ver se você consegue.

E por falar em riqueza melódica, que tal ouvir Golden Slumbers, Oh! Darling, Come Together e o tema do serial killer Maxwell’s Silver Hammer? Quer uma execução progressiva? Há também. Experimente I Want You (She’s So Heavy), mas não exija dos rapazes que eles antecipem o virtuosismo de um Robert Fripp ou as sinuosas reviravoltas de Greg Lake. O negócio deles era outro: entreter com arte. Ou seja: preocupando-se com a própria produção e um olho cravado na aceitação popular. Fizeram, sim, a melhor música popular.

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Eis os rapazes após a foto famosa, em que marcham na faixa de pedestre – em Londres. Mas aí você quer saber por que escolhi justamente esse disco para uma postagem. Simples. Abbey Road veio ao mundo em 26 de setembro de 1969. Claro, claro. Alguma coisa tinha de fazer dessa quarta-feira, o dia mais insosso da semana, uma data especial.

Merquior, o necessário

Diogo Mainardi, ex-colunista da Veja, falastrão do Manhattan Connection e membro fundador de O Antagonista, tem dois grandes desejos. Na verdade, três. O primeiro deles é ser levado a sério. O segundo é abrir seu corpo para que o fantasma de Paulo Francis entre e dele nunca mais saia. E o terceiro – mais recôndito e bem guardado – é ser considerado o novo José Guilherme Merquior. É mais ou menos como Arnaldo Antunes querer ser Cummings ou Carla Perez querer ser Isadora Duncan. Não é possível: não neste mundo. Mas citei José Guilherme Merquior por um motivo pessoal. Procurando material sobre a modernidade literária, assunto que tem me interessado nos últimos tempos, fiquei diante de um artigo seu, publicado no livro Elixir do Apocalipse, de 1983, em que ele discorre sobre o assunto com propriedade impressionante, além de ser didático como um avô que se preocupa com o neto preferido que começa a compreender o mundo.

Merquior era de direita, mas se dizia um liberal social. Atacou Freud, Marx, Lênin e outros ícones ocidentais. Em âmbito doméstico, chamou Caetano Veloso de sub-intelectual de miolo mole, afirmou – e isso dá uma boa discussão – que os compositores de MPB estão a léguas da nobreza criativa literária. Não eram (e não são) artistas da palavra, mas entretenimento puro. Era um polemista de mão cheia – e de cérebro mais cheio ainda. Era temido e respeitado, mas, sendo um intelectual incompatível com as esquerdas, era destratado pelos socialistas e afins, ou seja, seus méritos intelectuais – enormíssimos em erudição e conhecimento – tornavam-se infelizmente secundários.

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Se sabia escrever? Magnificamente bem, embora sempre me pareceu ter um certo desprezo pelo leitor comum. A cada página, parecia dizer que o leitor precisava preparar-se mais, ler alguns determinados autores e livros que pudessem facilitar um encontro com o livro que se lia. Escrevia para aqueles leitores que tinham o fôlego necessário para mergulhos profundos. Em muitos casos tive dificuldade em compreender claramente o que ele dizia, ao menos de imediato. Forcei-me a reler e reler, buscando uma interpretação que melhor conviesse a minhas convicções, a meu modo de enfrentar a realidade. Escreveu variado: de literatura a política, passando por filosofia, antropologia, história, economia. Numa entrevista para a Folha, há 31 anos, decretou a morte do Marxismo. Deveria ser lido por todos – em qualquer lado que esteja.

Um dos melhores livros de história da Literatura Brasileira que conheço é De Anchieta a Euclides, publicado em 1977. Foi esse livro que me ensinou a enxergar a grandiosidade dos narradores machadianos. Foi o primeiro a me apresentar Os Sertões como um clássico do ensaio de ciências humanas no Brasil. Mostrou-me que os artifícios retóricos de Pe. Antonio Vieira são sua contradição porque baseados numa razão crítica. E por aí vai. Houve uma época em que eu, militante de esquerda, abandonei José Guilherme Merquior. Ou melhor dizendo: imaginei que o abandonara. Engano. Ele continuava expondo os problemas e me ajudando a solucioná-los. Sou grato. E se você, leitor, não o conhece, está perdendo de ouvir a voz de um mestre. Abandone Diogo Mainardi. Esse não faz falta.

 

Bem vivo aos 76

Dia desses me perguntaram sobre qual o melhor disco que rock que conheço. A pergunta é fácil; difícil é a resposta, já que o rock, abrangente em suas modalidades e em número de bandas e gravações, dificulta qualquer tipo de julgamento. Isso, claro, é uma visão pessoal. Creio que alguns de meus 6 ou 7 leitores tenham suas preferências já fossilizadas, trazidas da adolescência – que é quando o rock nos encanta, nos toma por inteiro. Creio que já ter dito isso numa outra postagem. Mas não fujo do desafio: para mim, Abbey Road, dos Beatles, e Electric Ladyland, de Jimi Hendrix, são o que há de melhor. Sei que alguns vão torcer o nariz: Abbey Road, disco de rock? Não é?

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Nunca fui íntimo do heavy metal. Alguma coisa do hard rock me agrada, em especial Led Zeppelin, Queen e Aerosmith. O disco ao vivo do Deep Purple no Japão também. Coisa séria, que um adulto pode consumir sem correr o risco de voltar no tempo e sentir-se com 14 anos. O rock progressivo, ao contrário, sempre me foi caro: Pink Floyd, King Crimsom, Yes, Jethro Tull e Frank Zappa, cujo disco One Size Fits All, de 1975, foi-me apresentado no meu aniversário de 16 anos, em 1978. Comecei a jornada pelo progressivo a partir daí. Um caminho feito de paradas, retornos, atalhos. E, por último, o mais importante: minha banda preferida é o The Who. Já mencionei isso.

Mas por que falo de rock e de lembranças, referências? E por que somente o nome de Jimi Hendrix aparece em negrito? Se vivo, o senhor da foto teria 76 anos, mas morreu num dia 18 de setembro, há 48 anos. Para mim, é o maior de todos os guitarristas – e olhe que sou fã de Clapton, que muitos consideram um deus das cordas, e de Jimmy Page, outro monstro -, embora haja uma justa ressalta a ser feita: será que Jimi manteria o pique? Essa é uma questão tão absolutamente desnecessária quanto divertida, embora muita gente leve isso a sério. Para seus detratores, ou para os fãs de outros guitarristas menores, Jimi Hendrix não teve tempo de mostrar que seria eterno. Para mim, este post mostra o contrário.

Jimi fez tudo o que era possível – e o que era considerado impossível, ele deu um jeito. Fez das distorções música para todos os ouvidos. Usou a tecnologia para expressar o som que não se imaginava existir. Foi um inovador, arriscou-se ao máximo em busca do som que queria apresentar – e acabou por influenciar todos (ou quase todos) que vieram depois dele. Poucos fizeram isso na música, e quando afirmo isso levo em conta todos os gêneros. Eu disse todos. Fez blues-rock, rock and roll, hard rock, baladas, country, jazz. Lá no início da postagem falei em Electric Ladyland. Claro que você conhece, mas, se ainda não teve oportunidade, ouça. É o derradeiro álbum de estúdio do The Jimi Hendrix Experience, trio que comportava também Noel Redding (baixo) e Mitch Mitchell (bateria). É ouvir para crer. E rezar pela música de Jimi Hendrix, que durará para sempre,

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Bobby Short aos 94

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Esse senhor aí de cima é Bobby Short. Não sei se você conhece, porque não é um músico muito popular: ao menos não por aqui. Eu também não o conhecia quando, em meados do anos 1990, ganhei um disco no qual a estupenda cantora Mabel Mercer dividia as honras com ele, ao vivo, formato vinil da Atlantic, cujo título é Mabel Mercer & Bobby Short at Town Hall. Um discaço em que pude, pela primeira vez, ouvir o som produzido por esse extraordinário cantor e pianista de cabaré. Não, não espere um vozeirão. Bobby Short não é Sinatra, Johnny Hartman ou Sammy Davis. Ele é Bobby Short e isso basta! Ou seja: é tão único quanto arrebatador. É fino, sofisticado, nunca banal. Você pode vê-lo e ouvi-lo executando I’m in Love Again, de Cole Porter, canção incluída em Hannah e suas Irmãs, de Woody Allen.

E por falar em Cole Porter, para muitos, Bobby Short é seu intérprete definitivo. Ouça a pouco conhecida Miss Otis Regrets, gravação no programa de Larry King. Um dos mais antigos hotéis de Nova Iorque se chama Hotel Carlyle, em cujo night club, o Café Carlyle, nosso herói se apresentava regularmente. Há um programa de tevê, feito há quase 40 anos, no qual ele se apresenta no ambiente que tornou seu. AQUI você pode constatar, se estiver disposto a encarar mais de 1 hora documental sem legendas. Aliás, para as canções – a parte principal do programa -, não há necessidade delas.

Bobby Short esteve no Brasil quando eu tinha 20 anos – e eu não só não tinha muita intimidade com a música norte-americana, com os crooners e as grandes cantoras, como ouvia algo que, hoje, é um tanto quanto incompatível com a música ultrafina de Bobby Short – o rock. Não que eu desgoste desse gênero. Aprecio o rock, mas não vejo qualquer dificuldade em compreender que a música de Bobby é executada com um zelo e ao mesmo tempo com tal charmoso desleixo que as vozes de Roger Daltrey e de Freddy Mercury parecem coisa de adolescente. E não são? Enfim, para que comparar?

Para alguns, a música de Bobby Short é coisa de velho. Tenho certeza de que dirão isso. Se você tem menos de 30 anos, precisa ouvir de coração aberto, sem preconceitos, apreciando – ou tentando apreciar – o bom humor, a harmonia, a sutileza e sofisticação no toque, a finesse no modo de cantar e assim por diante. Se você se animou com o texto e quiser uma dica para um disco deste cantor/pianista, recomendo este, abaixo, com título enorme: Bobby Short – How’s Your Romance? (Music for Lovers From The Master Of Cabaret). É nele que você poderá ouvir Tea for Two, Night and Day, I Can’t Get Started (com orquestra), Easy to Love, Body and Soul (com orquestra) e muito mais. Aproveite! Bobby Short morreu em 2005, aos 81 anos, vítima de leucemia. Se vivo, teria 94 anos, nascido num 15 de setembro – e provavelmente ainda estaria abrilhantando ambientes, como o Café Carlyle.

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Vizinho ou Próximo? De quem é a mulher?

Já adianto: Gay Talese escreve bem melhor do que se imagina. É um craque do new journalism – e essa afirmação me parece resumitiva demais. Então, lá vai: está entre os melhores textos, sejam eles de ficção ou não. Aliás, sua não-ficção vale mais como literatura do que muitas páginas de autores consagrados. Cheguei a Talese por Tom Wolfe, outra fera do jornalismo literário. Truman Capote, também fã dele, dizia que sua forma de narrar não possuía rivais. É provável que Capote tivesse razão. Pela primeira vez escrevo uma resenha – ou apenas um comentário – sobre um livro que ainda estou lendo. O título? A Mulher do Próximo – aí ao lado. O livro; não a mulher.

Hugh Hefner, chefão da Playboy, é o primeiro personagem do livro. Sua trajetória, antes de se tornar o magnata do sexo e das coelhinhas, foi feita de desacertos, de decepções e de pertinácia. Insistiu numa possibilidade – que consistia em acalentar boa parte dos homens casados e adolescentes desesperados – e lucrou com isso. Criou um símbolo sexual: uma revista que atravessa décadas de forma altiva e carregada de soberba. É uma das marcas que definiram o século XX. O livro de Talese traz o subtítulo: uma crônica da permissividade americana nas décadas de 1960 e 1970. Hugh Hefner definiu essa permissividade como ninguém. Alimentou-a até que ela estivesse robusta e pudesse caminhar sozinha.

O livro é uma beleza. A narrativa é sedutora. Personagens reais adeptos do amor livre, das relações conjugais liberadas, do tesão como redenção humana – tudo isso perpassa as quase 500 páginas da tradução brasileira com um vigor narrativo que testemunhei em poucos escritores/jornalistas. Gay Talese hospedou-se na Sandstone Retreat, um resort californiano para casais adeptos do swing, um palco mais que adequado para que pudesse abastecer-se de informações que comporiam o livro. Ficou por lá alguns meses para, apenas 10 anos depois, em 1981, lançar o livro, carregado de mulheres desembaraçadas e seguras, de homens que, obrigados a acompanhar tais mulheres, tiveram de optar pelo autoconhecimento, lutando contra preconceitos de uma sociedade altamente cínica como a americana.

A Elegância de Gay Talese - DMR Alfaiataria

Barbara e John Williamson, criadores do resort, são personagens do livro. Tão reais quanto o que propunham, são expostos de forma contundente e ao mesmo tempo curiosa: são uma espécie de mensageiros do sexo, libertadores de estigmas que existem justamente para massificar e tolher casais que seriam muito mais felizes se fossem adeptos do amor livre, do matrimônio aberto, sem mentiras e fingimentos. Repito: é um livro saboroso, que deve ser lido por todos aqueles que, curiosos ou estudiosos, enxergam na permissividade e no amor sem preconceitos um assunto no mínimo necessário. A propósito: o título dessa postagem faz menção à tradução brasileira do título: Thy Neighbor’s Wife. Vou lendo.

Henri Cartier-Bresson, 110 anos.

Há 110 anos nascia um dos grandes fotógrafos do século XX: Henri Cartier-Bresson. Sou aquele fã que, tendo em mãos o extraordinário tête à tête (ao lado)- com minúsculas mesmo -, deslumbrou-se com a delicadeza e argúcia dos retratos desse genial fotógrafo. Lembro-me de o jornalista Paulo Francis chamando Sebastião Salgado de sub Cartier-Bresson. Era um daqueles programas da série Manhattan Connection – que, aliás, só era bom porque havia Paulo Francis. Houve, claro, um certo exagero na maledicência, mas um comentário com raízes na verdade. A superioridade do fotógrafo francês é visível, mas, de fato, de que vale a comparação?

Em sequência de 3: a beleza desleixada da pensadora Susan Sontag, a juventude do escritor Truman Capote e o charme absoluto do também escritor Albert Camus.

O livro em questão é composto de retratos – algo que, em tese e princípio, diz-se fácil de fazer. Engano total. Capturar o que há de mais pessoal em cada um dos retratados é tão difícil quanto adivinhar-lhes a personalidade, o caráter. Cartier-Bresson sabia o que estava fazendo. A despeito de conhecer seus modelos (alguns viu apenas uma vez), trouxe ao espectador uma visão muito pessoal de cada um que se colocou diante da câmera. O enormíssimo compositor Igor Stravinski, o pintor Henri Matisse e o polêmico pensador Carl G. Jung que o digam:

Dizem que a fotografia aproxima-se da morte (li isso através de Barthes, nos anos 1980), já que expressa um momento que nunca se repetirá, que tal observar esses momentos derradeiros tendo o grande pintor Pablo Picasso, o poeta Ezra Pound e o dramaturgo Arthur Miller como cobaias?

O escritor Samuel Beckett e a cantora Edith Piaf fecham esta postagem, mas o livro tête à tête deve ser lido/visto devagar, e de trás para frente após ter sido lido da forma tradicional. A cada página, é possível não somente estar diante da genialidade de Henri Cartier-Breeson, mas também poder privar com cada um dos retratados em sua particularidade: aquilo que esse fotógrafo conseguiu mostrar-nos. E ninguém mais.

 

Mulheres #6: Raquel Welch

Raquel Welch foi o tesão de pelo menos 2 gerações – e uma delas foi a minha, embora sua beleza refulgente tivesse impactado a rapaziada que nascera em fins dos anos 1950. Eu nasci em 1962, de modo que as coisas começaram a fazer sentido a partir de 1976. Sim, elas começam a fazer sentido a partir dos 14 anos, exceto para alguns cuja precocidade não é prejudicial. Creio ter visto Raquel Welch pela primeira vez, com o olhar necessário, mais ou menos nessa época. Impressionado fiquei. Enfim, esta imagem abaixo, publicidade do filme Cem Rifles, de 1969, diz tudo:

Há uma história boa: em 1969, durante as filmagens de Myra Breckinridge, filme de Michael Sarne protagonizado por Rachel Welch e tendo Mae West como coadjuvante, as duas damas citadas tiveram um desentendimento. Raquel, cheia de fúria, disse a Mae: “Você me respeite, pois sou uma atriz!” Mae West, sempre ferina, retrucou: “Ok, querida, esse vai ser nosso segredo!” Não é verdade que Raquel Welch fosse má atriz. Tinha talento mas, bela como uma deusa, a falocracia cinematográfica a escalava para que ela expusesse sua beleza sem precisar falar muito. É o caso da imagem abaixo, do filme inglês (muito ruim) Mil Séculos antes de Cristo, de 1966, no qual tinha apenas 3 falas. A pose de Cristo crucificado é mera coincidência porque o título original é One Million B. C.

Esse filme tornou Raquel um símbolo sexual. Fez vários outros, nos quais o que importava não era sua capacidade dramática, mas a acachapante beleza anglolatina (era filha de boliviano com inglesa, nascida Jo Raquel Tejada) explorada nunca à exaustão (ao menos não a minha). O Welch veio da avó paterna. Mas retornando: seu talento foi posto à prova numa comédia deliciosamente divertida, baseado no romance homônimo de Gore Vidal, Myra Breckinridge. Raquel Welch faz o papel de um homem que, após a mudança de sexo, torna-se mulher – e que mulher! Ei-la, abaixo, contracenando com John Huston.

Aos 77 anos, Raquel Welch continua em atividade, e bonita. Participa de uma série Date My Dad, em que faz a sogra de um jogador de baseball solteiro e pai de três filhas. Eis:

Imagem relacionada

E para deleite dos fãs:

Sinceramente? Acho que este post nem precisava de texto. As imagens dela falam por si.

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