Bobby Short aos 94

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Esse senhor aí de cima é Bobby Short. Não sei se você conhece, porque não é um músico muito popular: ao menos não por aqui. Eu também não o conhecia quando, em meados do anos 1990, ganhei um disco no qual a estupenda cantora Mabel Mercer dividia as honras com ele, ao vivo, formato vinil da Atlantic, cujo título é Mabel Mercer & Bobby Short at Town Hall. Um discaço em que pude, pela primeira vez, ouvir o som produzido por esse extraordinário cantor e pianista de cabaré. Não, não espere um vozeirão. Bobby Short não é Sinatra, Johnny Hartman ou Sammy Davis. Ele é Bobby Short e isso basta! Ou seja: é tão único quanto arrebatador. É fino, sofisticado, nunca banal. Você pode vê-lo e ouvi-lo executando I’m in Love Again, de Cole Porter, canção incluída em Hannah e suas Irmãs, de Woody Allen.

E por falar em Cole Porter, para muitos, Bobby Short é seu intérprete definitivo. Ouça a pouco conhecida Miss Otis Regrets, gravação no programa de Larry King. Um dos mais antigos hotéis de Nova Iorque se chama Hotel Carlyle, em cujo night club, o Café Carlyle, nosso herói se apresentava regularmente. Há um programa de tevê, feito há quase 40 anos, no qual ele se apresenta no ambiente que tornou seu. AQUI você pode constatar, se estiver disposto a encarar mais de 1 hora documental sem legendas. Aliás, para as canções – a parte principal do programa -, não há necessidade delas.

Bobby Short esteve no Brasil quando eu tinha 20 anos – e eu não só não tinha muita intimidade com a música norte-americana, com os crooners e as grandes cantoras, como ouvia algo que, hoje, é um tanto quanto incompatível com a música ultrafina de Bobby Short – o rock. Não que eu desgoste desse gênero. Aprecio o rock, mas não vejo qualquer dificuldade em compreender que a música de Bobby é executada com um zelo e ao mesmo tempo com tal charmoso desleixo que as vozes de Roger Daltrey e de Freddy Mercury parecem coisa de adolescente. E não são? Enfim, para que comparar?

Para alguns, a música de Bobby Short é coisa de velho. Tenho certeza de que dirão isso. Se você tem menos de 30 anos, precisa ouvir de coração aberto, sem preconceitos, apreciando – ou tentando apreciar – o bom humor, a harmonia, a sutileza e sofisticação no toque, a finesse no modo de cantar e assim por diante. Se você se animou com o texto e quiser uma dica para um disco deste cantor/pianista, recomendo este, abaixo, com título enorme: Bobby Short – How’s Your Romance? (Music for Lovers From The Master Of Cabaret). É nele que você poderá ouvir Tea for Two, Night and Day, I Can’t Get Started (com orquestra), Easy to Love, Body and Soul (com orquestra) e muito mais. Aproveite! Bobby Short morreu em 2005, aos 81 anos, vítima de leucemia. Se vivo, teria 94 anos, nascido num 15 de setembro – e provavelmente ainda estaria abrilhantando ambientes, como o Café Carlyle.

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Vizinho ou Próximo? De quem é a mulher?

Já adianto: Gay Talese escreve bem melhor do que se imagina. É um craque do new journalism – e essa afirmação me parece resumitiva demais. Então, lá vai: está entre os melhores textos, sejam eles de ficção ou não. Aliás, sua não-ficção vale mais como literatura do que muitas páginas de autores consagrados. Cheguei a Talese por Tom Wolfe, outra fera do jornalismo literário. Truman Capote, também fã dele, dizia que sua forma de narrar não possuía rivais. É provável que Capote tivesse razão. Pela primeira vez escrevo uma resenha – ou apenas um comentário – sobre um livro que ainda estou lendo. O título? A Mulher do Próximo – aí ao lado. O livro; não a mulher.

Hugh Hefner, chefão da Playboy, é o primeiro personagem do livro. Sua trajetória, antes de se tornar o magnata do sexo e das coelhinhas, foi feita de desacertos, de decepções e de pertinácia. Insistiu numa possibilidade – que consistia em acalentar boa parte dos homens casados e adolescentes desesperados – e lucrou com isso. Criou um símbolo sexual: uma revista que atravessa décadas de forma altiva e carregada de soberba. É uma das marcas que definiram o século XX. O livro de Talese traz o subtítulo: uma crônica da permissividade americana nas décadas de 1960 e 1970. Hugh Hefner definiu essa permissividade como ninguém. Alimentou-a até que ela estivesse robusta e pudesse caminhar sozinha.

O livro é uma beleza. A narrativa é sedutora. Personagens reais adeptos do amor livre, das relações conjugais liberadas, do tesão como redenção humana – tudo isso perpassa as quase 500 páginas da tradução brasileira com um vigor narrativo que testemunhei em poucos escritores/jornalistas. Gay Talese hospedou-se na Sandstone Retreat, um resort californiano para casais adeptos do swing, um palco mais que adequado para que pudesse abastecer-se de informações que comporiam o livro. Ficou por lá alguns meses para, apenas 10 anos depois, em 1981, lançar o livro, carregado de mulheres desembaraçadas e seguras, de homens que, obrigados a acompanhar tais mulheres, tiveram de optar pelo autoconhecimento, lutando contra preconceitos de uma sociedade altamente cínica como a americana.

A Elegância de Gay Talese - DMR Alfaiataria

Barbara e John Williamson, criadores do resort, são personagens do livro. Tão reais quanto o que propunham, são expostos de forma contundente e ao mesmo tempo curiosa: são uma espécie de mensageiros do sexo, libertadores de estigmas que existem justamente para massificar e tolher casais que seriam muito mais felizes se fossem adeptos do amor livre, do matrimônio aberto, sem mentiras e fingimentos. Repito: é um livro saboroso, que deve ser lido por todos aqueles que, curiosos ou estudiosos, enxergam na permissividade e no amor sem preconceitos um assunto no mínimo necessário. A propósito: o título dessa postagem faz menção à tradução brasileira do título: Thy Neighbor’s Wife. Vou lendo.

Henri Cartier-Bresson, 110 anos.

Há 110 anos nascia um dos grandes fotógrafos do século XX: Henri Cartier-Bresson. Sou aquele fã que, tendo em mãos o extraordinário tête à tête (ao lado)- com minúsculas mesmo -, deslumbrou-se com a delicadeza e argúcia dos retratos desse genial fotógrafo. Lembro-me de o jornalista Paulo Francis chamando Sebastião Salgado de sub Cartier-Bresson. Era um daqueles programas da série Manhattan Connection – que, aliás, só era bom porque havia Paulo Francis. Houve, claro, um certo exagero na maledicência, mas um comentário com raízes na verdade. A superioridade do fotógrafo francês é visível, mas, de fato, de que vale a comparação?

Em sequência de 3: a beleza desleixada da pensadora Susan Sontag, a juventude do escritor Truman Capote e o charme absoluto do também escritor Albert Camus.

O livro em questão é composto de retratos – algo que, em tese e princípio, diz-se fácil de fazer. Engano total. Capturar o que há de mais pessoal em cada um dos retratados é tão difícil quanto adivinhar-lhes a personalidade, o caráter. Cartier-Bresson sabia o que estava fazendo. A despeito de conhecer seus modelos (alguns viu apenas uma vez), trouxe ao espectador uma visão muito pessoal de cada um que se colocou diante da câmera. O enormíssimo compositor Igor Stravinski, o pintor Henri Matisse e o polêmico pensador Carl G. Jung que o digam:

Dizem que a fotografia aproxima-se da morte (li isso através de Barthes, nos anos 1980), já que expressa um momento que nunca se repetirá, que tal observar esses momentos derradeiros tendo o grande pintor Pablo Picasso, o poeta Ezra Pound e o dramaturgo Arthur Miller como cobaias?

O escritor Samuel Beckett e a cantora Edith Piaf fecham esta postagem, mas o livro tête à tête deve ser lido/visto devagar, e de trás para frente após ter sido lido da forma tradicional. A cada página, é possível não somente estar diante da genialidade de Henri Cartier-Breeson, mas também poder privar com cada um dos retratados em sua particularidade: aquilo que esse fotógrafo conseguiu mostrar-nos. E ninguém mais.

 

Mulheres #6: Raquel Welch

Raquel Welch foi o tesão de pelo menos 2 gerações – e uma delas foi a minha, embora sua beleza refulgente tivesse impactado a rapaziada que nascera em fins dos anos 1950. Eu nasci em 1962, de modo que as coisas começaram a fazer sentido a partir de 1976. Sim, elas começam a fazer sentido a partir dos 14 anos, exceto para alguns cuja precocidade não é prejudicial. Creio ter visto Raquel Welch pela primeira vez, com o olhar necessário, mais ou menos nessa época. Impressionado fiquei. Enfim, esta imagem abaixo, publicidade do filme Cem Rifles, de 1969, diz tudo:

Há uma história boa: em 1969, durante as filmagens de Myra Breckinridge, filme de Michael Sarne protagonizado por Rachel Welch e tendo Mae West como coadjuvante, as duas damas citadas tiveram um desentendimento. Raquel, cheia de fúria, disse a Mae: “Você me respeite, pois sou uma atriz!” Mae West, sempre ferina, retrucou: “Ok, querida, esse vai ser nosso segredo!” Não é verdade que Raquel Welch fosse má atriz. Tinha talento mas, bela como uma deusa, a falocracia cinematográfica a escalava para que ela expusesse sua beleza sem precisar falar muito. É o caso da imagem abaixo, do filme inglês (muito ruim) Mil Séculos antes de Cristo, de 1966, no qual tinha apenas 3 falas. A pose de Cristo crucificado é mera coincidência porque o título original é One Million B. C.

Esse filme tornou Raquel um símbolo sexual. Fez vários outros, nos quais o que importava não era sua capacidade dramática, mas a acachapante beleza anglolatina (era filha de boliviano com inglesa, nascida Jo Raquel Tejada) explorada nunca à exaustão (ao menos não a minha). O Welch veio da avó paterna. Mas retornando: seu talento foi posto à prova numa comédia deliciosamente divertida, baseado no romance homônimo de Gore Vidal, Myra Breckinridge. Raquel Welch faz o papel de um homem que, após a mudança de sexo, torna-se mulher – e que mulher! Ei-la, abaixo, contracenando com John Huston.

Aos 77 anos, Raquel Welch continua em atividade, e bonita. Participa de uma série Date My Dad, em que faz a sogra de um jogador de baseball solteiro e pai de três filhas. Eis:

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E para deleite dos fãs:

Sinceramente? Acho que este post nem precisava de texto. As imagens dela falam por si.

O álbum perdido de Mr. Coltrane

O quarteto clássico de John Coltrane traz McCoy Tyner ao piano; Elvin Jones na bateria e Jimmy Garrison no contrabaixo. É o timaço que trouxe à superfície discos tão antológicos quanto distintos entre si: A Love Supreme, Ballads e Crescent. É, na minha opinião, o que Coltrane fez de melhor – e incluo aí os discaços com o Miles Davis Quintet, nos anos 1950. Depois disso, o genial saxofonista não teve rivais em seu instrumento – exceção para Sonny Rollins, mas aí a comparação capenga porque um é um deus na harmonia e o outro é um totem melodioso. Enfim, é melhor deixar cada um em seu nicho.

Mas eis o que eu queria dizer: chega ao mundo o tal álbum perdido, Both Directions at Once, com gravações de 1963, algo impressionante a cuja audição me dediquei em minha última tarde de férias, nessa segunda que passou. Não gosto de downloads musicais mas, sem alternativa, fui obrigado a ouvir, em FLAC, gravações fabulosas de Nature BoyOne UP One Down, Slow Blues, Impressions e Vilia – sem contar a faixa inicial, de título protocolar. Vários alternate takes nos quais se percebem diferenças sutis de interpretação: ora McCoy Tyner se adianta; ora Elvin Jones amacia. É um banquete para quem sabe saborear.

Coltrane esteve na folha de pagamento da gravadora Impulse! por 4 anos, de 1962 a 1965. Fez de tudo, nessa época. Baladas, folk songs, standards, flertou com o free, armou-se de blues e spirituals. Era um momento para lá de criativo, embora estivesse pondo o pé na antessala da fase mais radical de sua produção vastíssima: os discos espirituais, a busca pelo etéreo etc. Enfim, um dia escreverei sobre isso. Mas por que essas gravações perdidas chegam somente agora? Provavelmente porque somente há pouco tempo chegaram às mãos da família da primeira esposa de Coltrane, Juanita Naima. A gravadora Impulse! não possuía os tapes.

Há também outra possibilidade: como o contrato de Coltrane com a Impulse! previa dois discos ao ano, pode ser que essas gravações tenham ficado de fora do contrato. É uma possibilidade. Conjecturas à parte, o melhor é ouvir. Vilia é uma peça clássica, de A Viúva Alegre, escrita pelo húngaro Franz Lehár; Coltrane a transforma em jazz de forma sublime. Nature Boy é um show, em que Elvin Jones mostra por que é um dos maiores bateristas do jazz. E sem alarde. Impressions é tema coltraniano por excelência. Slow Blues é o que mais se aproxima da liberdade criativa, da improvisação. Quase 11 minutos e meio de som alto, claro, preciso. One UP, One Down é pauleira: todo o quarteto dialogando em voz alta. O ponto alto do disco.

E a primeira faixa do disco, intitulada Untitled Original 11383? Faça o seguinte: ouça tudo AQUI, AQUI, AQUI e AQUI. Vinil de primeira linha. É o melhor a fazer. John Coltrane merece que se chegue a conclusões sozinho.

Cyro, Elizeth, Chico (Fla-Flu)

Eu não conhecia Cyro Monteiro até Chico Buarque de Holanda me apresentar. Comigo foi quase sempre assim: uma referência faz brotar um punhado de outras. Chico me levou a Caetano, a Gil. Ambos me levaram ao Tropicalismo – que me levou a Gal Costa, a Torquato Neto e a Capinam; este último me fez conhecer Edu Lobo, que expôs Vinicius, Baden e Elis Regina a mim. E assim por diante, numa cadeia infinita de grandes nomes da música brasileira. Mas volto a Cyro Monteiro, que morreu num 13 de julho, há 45 anos. Não há muita coisa disponível dele, em cedê. Tenho o que todos que o apreciam têm: o disco da série Aplauso, uma compilação feita pela BMG há uns vinte anos. Não é suficiente, mas traz Se Acaso Você Chegasse, Falsa Baiana, Rugas, Pisei num Despacho e Apresenta-me Àquela Mulher. Só isso já basta para colocá-lo no panteão dos ótimos intérpretes. Em vinil, tenho Sr. Samba e o volume 2 de A Bossa Eterna de Elizeth e Cyro.

Certo, certo: pouca gente aprecia essas gravações antigas desses intérpretes (para muitos) obscuros. Sei disso. Há gravações mais nítidas, mais audíveis a ouvidos desacostumados: é o caso desse medley abaixo, acompanhado pela maior cantora brasileira, Elizeth Cardoso. Essa gravação, de 1969, é a junção de grandes sambas: Nega do cabelo duro, Ando cheio de conversa, Cansei de Pedir, Ta-hi (Taí), Não quero mais amar a ninguém, Se a saudade me apertar, Adeus Batucada e Arrasta a Sandália. E aproveite para ouvir Tem de Rebolar. Uma maravilha contida no disco mencionado da dupla! Observe que na foto Cyro se faz acompanhar por seu instrumento inseparável: uma caixinha de fósforos, com a qual fazia a percussão.

Cyro Monteiro

Há uma história sensacional envolvendo Cyro Monteiro e o compositor carioca Chico Buarque: Cyro era flamenguista feroz; Chico, um tricolor voraz. Quando a primeira filha de Chico e Marieta Severo nasceu, Cyro enviou a ela, à pequena Sílvia, uma camisa do Flamengo. Chico respondeu a provocação da forma mais conveniente e bem-humorada possível: escreveu um samba, cujo título é Ilmo. Sr. Cyro Monteiro ou Receita para virar casaca de neném. Eis a letra (para mim, obra-prima):

Se quiser ouvir com a melodia, cantada pelo homenageado, CLIQUE AQUI.

Norman Lindsay: imagens, tesão, delírio

Você conhece Norman Alfred William Lindsay – ou simplesmente Norman Lindsay? Não? Pois ele é o autor de O Pudim Mágico, um conto clássico da literatura australiana, no qual um pudim dotado de pernas e braços sempre se refaz quando comido. É protegido, quando ameaçado, por 3 amigos: um pinguim, uma koala e um marinheiro. Foi publicado há exatamente 100 anos, e continua divertindo. Há uma animação que nele se baseia, com o extraordinário John Cleese no papel principal: o do pudim. AQUI, o trailler. Mas não é sobre isso que quero falar – e sim sobre seu autor e os desenhos e pinturas que ele produziu. Sim, Norman Lindsay era um pintor de primeira, além de desenhista, escritor, escultor, gravurista, editor, ilustrador. Nas horas vagas, lutava boxe. Eis do que ele era capaz, numa pintura a óleo de 1919:

Norman Lindsay viveu 90 anos, e dedicou boa parte de sua arte à transgressão. A despeito de qualquer tipo de censura ou contrariando normas estabelecidas pela moral, criou situações em que o lúgubre, o fantástico e o sexo se misturavam a uma atmosfera de deleite pervertido. Não, não encare a palavra pervertido como algo condenável. A perversão, aqui, é absolutamente necessária à obra de arte. Ainda bem! O quadro abaixo, intitulado Bacchanalian Revels, de 1940, dá o tom de como se cria beleza a partir da amoralidade. É sempre bom saber que a arte se presta esse papel.

Acima, Début, de 1920, uma referência indireta à nova ordem que se instaurava na Europa – e por que não dizer, no Ocidente? O pequeno sátiro endiabrado levando pela mão a jovem virgem a um destino cruel e pernicioso. Lindsay sabia o que pintava e nunca se opôs a interpretações políticas de seus quadros, embora negasse qualquer intenção que não fosse o próprio prazer de pintar. Abaixo, uma pintura de 1940: Incantation. Poucos pintores retrataram a nudez tão gravemente. Pode checar na pintura logo após: Love on Earth, de 1940: tesão, medo, felicidade, Inferno e Paraíso.

A Canção do Fauno, de 1921, acima, foi a pintura que me fez buscar a obra de Norman Lindsay. Um amigo me apresentou, afirmando que queria aquele tipo de ilustração na capa de um de seus livros. Um espetáculo sensorial, movimentado, visual, quase sonoro. Talvez essa tenha sido a intenção do artista. Abaixo, The Challenge, uma obra-prima sem data e sem homens. O desafio é a exposição da nudez e o confronto entre belezas de cores de pele distintas. Outro espetáculo visual.

The Invitation e Os Piratas são duas pérolas do erotismo. Em ambas as telas o confronto entre a masculinidade opressora e a potência sedutora de feminilidade. Esse tema é recorrente tanto nas pinturas de Norman Lindsay quanto em sua literatura. É o caso de seu romance Redheap, livro banido da comunidade intelectual australiana por quase 30 anos. Amor lascivo, tesão aberto, perversões. O que há de tão errado nisso hoje em dia? Há 50 anos se dizia que havia. Se você não conhece a literatura de Norman Lindsay, não se acanhe. Aproveite as imagens.

Mr. Mendes & a Bossa

Sérgio Mendes é um músico de primeira. Estrelou, como pianista, pelo menos dois discos que constariam de qualquer antologia mundial de música instrumental: Bossa Nova York, de 1964, no qual brilhavam também Tom Jobim, Art Farmer e Phil Woods. O outro, gravado um ano antes, chama-se Você ainda não ouviu nada!, do Sérgio Mendes & Bossa Rio, de cuja formação constavam Edison Machado, possivelmente o melhor baterista brasileiro em qualquer época, e o craque no trombone Raul de Souza. Sérgio, além de cuidar das teclas, cuidou dos arranjos – mas, calma: não foi só ele. O citado Jobim e o lendário Moacir Santos também participaram dessa obra-prima. Esse disco fica para depois.

Sérgio Mendes é famoso – mas sua fama, justificada pela qualidade de seu trabalho, era resumida a ouvintes de 50 e 60 anos, cuja exigência musical passava longe de modismos. Eu disse “era resumida”. Hoje não é mais. Há alguns anos, quando a população abaixo dos 30 anos enviou-o ao quase anonimato, Sérgio Mendes fez como o gato: deu o pulo que mudou o cenário. Aliou-se ao poderoso rapper will.i.am (sim, com minúsculas), que fez os holofotes darem a guinada necessária. Mr. Mendes pôde, então, experimentar o gostinho de ser conhecido por menores de 25 anos. É uma grande vantagem, ao menos em termos de mercado. Não se discute que a indústria do entretenimento fez a opção por uma fatia etária que, em muitos casos, não se preocupa muito com a qualidade do que consome. Conheço fãs de Seu Jorge que nunca ouviram falar de Franz Schubert, mas sabem, hoje, quem é Sérgio Mendes. Ponto para ele.

Retorno ao primeiro disco citado, que é o motivo desta postagem – e que estou ouvindo, neste momento. Bossa Nova York é um clássico do Sergio Mendes Trio, formado por Sebastião Neto, no contrabaixo, e Chico Batera, na bateria – além, claro, do líder pianista que dá nome ao grupo. É um disco de jazz-samba, algo que vai um pouco além da Bossa Nova, num andamento mais ligeiro, mas com a mesma precisão técnica. O título refere-se ao fato de o disco ter sido gravado nos estúdios da Atlantic, naquela cidade. O que me deixa pasmo é que os músicos estrangeiros – Art Farmer, Phil Woods e Hubert Laws – não conheciam o trio até entrarem no estúdio. Tinham contato com Tom Jobim, já conhecido nos EUA, em 1964, data da gravação.

Aliás, de Tom, há gravações antológicas de Só Danço Samba e Inútil Paisagem, isso sem falar em Garota de Ipanema, Vivo Sonhando e O Morro não tem vez. De Carlos Lyra, duas obras-primas: Maria Moita e Primavera. De Baden, um tema de derreter os mais corações mais empedrados: Consolação. Todo o disco é bom. Aliás, ótimo. No fim da postagem, há um link para você ouvi-lo, se quiser. Só para constar: aliado a Carlinhos Brown, Sérgio Mendes fez a canção – candidata ao Oscar – do extraordinário desenho Rio, de 2011. Gostei demais do filme. Meu vizinho, um adolescente aos 16, também. Se eu lhe perguntar quem é Sérgio Mendes, é possível que ele, após um exercício de memória, diga: Não é aquele velhote parceiro do Mr. Brown? Vou responder – triste – que é. A propósito: se você quer conhecer a biografia desse grande músico, vá ao site dele. Se for ao Wikipedia , vá em inglês. Os norte-americanos respeitam sua música muito mais que os brasileiros. Um dos motivos pelos quais ele quis ficar lá.

AQUI você ouve o disco inteiro.

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