Mr. Mendes & a Bossa

Sérgio Mendes é um músico de primeira. Estrelou, como pianista, pelo menos dois discos que constariam de qualquer antologia mundial de música instrumental: Bossa Nova York, de 1964, no qual brilhavam também Tom Jobim, Art Farmer e Phil Woods. O outro, gravado um ano antes, chama-se Você ainda não ouviu nada!, do Sérgio Mendes & Bossa Rio, de cuja formação constavam Edison Machado, possivelmente o melhor baterista brasileiro em qualquer época, e o craque no trombone Raul de Souza. Sérgio, além de cuidar das teclas, cuidou dos arranjos – mas, calma: não foi só ele. O citado Jobim e o lendário Moacir Santos também participaram dessa obra-prima. Esse disco fica para depois.

Sérgio Mendes é famoso – mas sua fama, justificada pela qualidade de seu trabalho, era resumida a ouvintes de 50 e 60 anos, cuja exigência musical passava longe de modismos. Eu disse “era resumida”. Hoje não é mais. Há alguns anos, quando a população abaixo dos 30 anos enviou-o ao quase anonimato, Sérgio Mendes fez como o gato: deu o pulo que mudou o cenário. Aliou-se ao poderoso rapper will.i.am (sim, com minúsculas), que fez os holofotes darem a guinada necessária. Mr. Mendes pôde, então, experimentar o gostinho de ser conhecido por menores de 25 anos. É uma grande vantagem, ao menos em termos de mercado. Não se discute que a indústria do entretenimento fez a opção por uma fatia etária que, em muitos casos, não se preocupa muito com a qualidade do que consome. Conheço fãs de Seu Jorge que nunca ouviram falar de Franz Schubert, mas sabem, hoje, quem é Sérgio Mendes. Ponto para ele.

Retorno ao primeiro disco citado, que é o motivo desta postagem – e que estou ouvindo, neste momento. Bossa Nova York é um clássico do Sergio Mendes Trio, formado por Sebastião Neto, no contrabaixo, e Chico Batera, na bateria – além, claro, do líder pianista que dá nome ao grupo. É um disco de jazz-samba, algo que vai um pouco além da Bossa Nova, num andamento mais ligeiro, mas com a mesma precisão técnica. O título refere-se ao fato de o disco ter sido gravado nos estúdios da Atlantic, naquela cidade. O que me deixa pasmo é que os músicos estrangeiros – Art Farmer, Phil Woods e Hubert Laws – não conheciam o trio até entrarem no estúdio. Tinham contato com Tom Jobim, já conhecido nos EUA, em 1964, data da gravação.

Aliás, de Tom, há gravações antológicas de Só Danço Samba e Inútil Paisagem, isso sem falar em Garota de Ipanema, Vivo Sonhando e O Morro não tem vez. De Carlos Lyra, duas obras-primas: Maria Moita e Primavera. De Baden, um tema de derreter os mais corações mais empedrados: Consolação. Todo o disco é bom. Aliás, ótimo. No fim da postagem, há um link para você ouvi-lo, se quiser. Só para constar: aliado a Carlinhos Brown, Sérgio Mendes fez a canção – candidata ao Oscar – do extraordinário desenho Rio, de 2011. Gostei demais do filme. Meu vizinho, um adolescente aos 16, também. Se eu lhe perguntar quem é Sérgio Mendes, é possível que ele, após um exercício de memória, diga: Não é aquele velhote parceiro do Mr. Brown? Vou responder – triste – que é. A propósito: se você quer conhecer a biografia desse grande músico, vá ao site dele. Se for ao Wikipedia , vá em inglês. Os norte-americanos respeitam sua música muito mais que os brasileiros. Um dos motivos pelos quais ele quis ficar lá.

AQUI você ouve o disco inteiro.

Marcelo Coelho, música, Romantismo

I Juca Pirama é um clássico do Romantismo brasileiro. Um poema narrativo sobre índios guerreiros, em que a ideia de heroísmo não só ilustrava o ideal pós-independência como valorizava o nativo histórico brasileiro, desfazendo – ou tentando desfazer – a ideia de que o europeu é superior. Mas não é sobre literatura esta postagem. Falo de música, de música de qualidade, de jazz. E de Marcelo Coelho, um dos grandes instrumentistas cujo show pude testemunhar. Aliás, chamá-lo instrumentista é reduzir sua importância e sua realização. Marcelo é professor, pesquisador, compositor.

Não sei se vocês já leram I Juca Pirama. É um poema de métrica variável, rimado, de ritmo preciso – o que, por si só, já é um prato cheio para um músico. É um poema narrativo, com vozes: pai, filho, antropofagia, fantasia, ideais. A questão é que Marcelo Coelho vai além, muito além desses elementos. Não é somente na forma poética que sua música se baseia, mas na própria literatura em si. Os elementos literários presentes no poema, algo que transcende a língua, é que geram o arcabouço composicional. E isso atrelado, num certo sentido, à música que Miles Davis trouxe à baila há quase 60 anos, com Kind of Blue: o jazz modal. Mas a base de Marcelo está em Ron Miller, professor na Universidade de Miami. Se quiser saber sobre ele, clique AQUI.

Tenho alguns discos de Marcelo. Um deles, Colagens, é essencial, jazz puro, calibrado, adulto. Certo, certo: quem ouviu disse que não é música fácil, não é para qualquer ouvido. É um erro. É um disco para ser consumido por todos os que se interessam por música, mesmo que não tenham intimidade com o jazz, com a polifonia, com o próprio jazz modal a que me referi. Uma confissão: meu conhecimento sobre teoria musical é nulo. Gosto de música, mas ignoro o processo de se chegar a ela. Minha área, como se sabe, é outra – e é justamente essa outra que Marcelo Coelho resolveu invadir, com tanta propriedade e com outro olhar. Estou lendo devagar o livro cuja ilustração está à direita do visor. Leio devagar porque assim se faz com as grandes obras: deve-se sorvê-las com o paladar puro, sem a contaminação que, para muitos, é inevitável. Eu tento evitar. Ave, Marcelo!

Quer saber quem é Marcelo Coelho? CLIQUE AQUI.

 

 

Prince e Harrison (nem tão) suavemente chorando

Vivo estivesse, Prince teria feito 60 anos neste mês de junho. Um artista completo, de quem Miles Davis, um de meus ídolos, disse ser o Duke Ellington dos anos 1980. Miles podia ser um tanto polêmico quando queria, mas, nesse caso específico, creio que nem sequer tenha exagerado. Prince, guitar hero, gênio excêntrico, chegou-me da forma que deve ter chegado à grande maioria de seus hoje fãs: Purple Rain, o álbum duplo de 1984, em companhia da banda The Revolution. Um discaço que possuo até hoje, bolacha, carregado de rhythm & blues, de precisão artística, de pop rock de qualidade inequívoca.

Esta postagem tem dois lados, como um bom vinil: há 50 anos vinha ao mundo The White Album, também duplo, da mais importante banda pop que existiu ou existirá: The Beatles. Não é sobre ela que quero falar, mas sobre um de seus quatro integrantes – George Harrison -, aquele que escreveu a de início subestimada While My Guitar Gently Weeps, canção genial de origem filosófica, em sétimo lugar no lado A, com Eric Clapton dando uma canja mesmo sem a aquiescência inicial dos dois ególatras Lennon e McCartney.

E agora, juntando tudo: em 2004, durante a cerimônia do Rock and Roll Hall of Fame, Prince homenageia George Harrison em companhia de Tom Petty, Jeff Lyne, Steve Winwood e Dhani Harrison, filho de George e inacreditavelmente parecido com o pai. A canção While My Guitar Gently Weeps nunca foi tão bem tratada – nem por seu dono. Nem por Clapton. Se você duvida, assista ao vídeo abaixo:

Veja tudo, mas, se quiser checar do que Prince é capaz, ouça a partir de 3:28. Sim, O Príncipe é um dos melhores. Naquele grupo, por exemplo, não tinha rivais, e olhe que Marc Mann, grande guitarrista, está lá, fazendo um solo muito parecido com o de Clapton da gravação original. Prince sai das sombras, aparece nos 3 minutos finais de apresentação, e rouba a festa. Vale ouvir, sim.

 

Gabriel, o jornalista

53442Há 21 anos, um querido amigo presenteou-me com Notícia de um Sequestro, de Gabriel García Márquez, colombiano que levou um merecido Nobel em 1982. García Márquez não está entre meus preferidos, na América Espanhola, mas é grande, sabe narrar, é versátil – embora tenha escrito vários livros que, num certo sentido, são o mesmo. Enfim, isso é outra história. Notícia de um Sequestro destoa dos mais conhecidos textos do autor. Primeiro porque não é ficção; segundo, porque o próprio título entrega: é uma reportagem, fundamentada num fato tão verídico quanto terrível – o sequestro de Maruja Pachón e Beatriz Villamizar, duas figuras que realmente existem e que foram sequestradas pelo cartel de Medelín a mando do famosíssimo imperador do tráfico Pablo Escobar.

García Márquez não me surpreendeu. O livro poderia se chamar É Tudo Verdade, porque é exatamente nesse ponto que toda a narração se baseia. Aliás, o que me impressiona em sua forma de narrar é a velocidade que imprime aos períodos, ao fraseado, sem torná-los descartáveis. Ao que me parece – e talvez seja isso reflexo do olhar de escritor – é que tudo na frase é essencial. Nada pode ser retirado, sob pena de trazer prejuízo ao significado, mesmo que tal prejuízo seja pífio. Mesmo sabendo ser García Marquez um jornalista, sua ficção mantém-se meu interesse. Sua querida Macondo e suas personas fazem parte de meu imaginário – e do imaginário de tantos outros leitores de minha geração.

Eis a questão: poucos são os leitores fora da Colômbia que (re)conhecem, de fato, como funciona a política do país. Não há problemas quanto a isso. García Márquez faz aquilo que os grandes escritores – e somente eles! – conseguem realizar: transformar a questão doméstica numa trama universal. Se você tinha dúvidas sobre a afirmação de Tolstoi quanto a essa questão, pode esquecer. García Márquez confirma a ideia: Colômbia, nesse caso, pode ser qualquer sociedade oprimida pela política e pela bandidagem.

O mínimo que se espera de um bom jornalista é que ele saiba escrever. Depois, que seja capaz de detalhar sem ser prolixo, escrevendo com precisão. Por último, que seja verossímil. Não, não se engane: a verossimilhança não é uma consequência do jornalismo. Enfim, Maruja Pachón não foi a primeira vítima do Cartel de Medellín que, carregado de destemor e de capacidade estratégica, sequestrou outras tantas vítimas. O autor nos traz informações sobre todas elas, expondo a situação de forma ao leitor imaginar-se no cenário (seja no cativeiro, seja fora dele). É uma aula de jornalismo e de como se deve fazê-lo. A propósito: Pablo Escobar, cujas imagem e biografia têm alimentado, atualmente, o cinema e as revistas, não é personagem central – mas tem seu lugar na narrativa. Inclusive num papel tão irônico quanto contundente: um crítico do sistema governamental colombiano.

A motivação do sequestro foi a Lei de Extradição, assinada pelo presidente colombiano Turbay Ayala, que permitia a extradição de narcotraficantes. Escobar utilizou os sequestros para exigir a revogação dessa lei, que durou de 1984 a 1991. Enquanto a lei não era anulada, várias negociações entre políticos e traficantes foram realizadas. García Márquez mostra esse delicado processo de forma contundente e analisa-o historicamente, informando o leitor sobre uma realidade que, não sendo a brasileira, por exemplo, é um tanto desconhecida. Vale a leitura.

Filmes (re)vistos #3: O Dia em que a Terra Parou, 1951

Resultado de imagem para o dia em que a terra parou robert wiseO norte-americano Robert Wise montou Citzen Kane, o clássico de Orson Welles, apreciado pelos cinéfilos. Assinou Punhos de Campeão, um aclamado filme sobre o boxe. Poderia ter morrido feliz e realizado, mas optou por fazer de Julie Andrews uma noviça que cantava My Favourite Things – tema que John Coltrane imortalizaria, mas isso é outra história – em volta de um grupo de lourinhos suíços que temiam o pai de coração gelado. Alguns anos antes havia concebido, em parceria com Jerome Robbins, o grande musical West Side Story, cujo título português, Amor Sublime Amor, é sua única falha. Wise – que era realmente sábio – foi além. Além do sideral, do visto ao nu do olho, e concebeu duas pedras lapidadas da ficção científica. Uma delas, menos luminosa, é O Enigma de Andrômeda, a que assisti por volta de 73, no extinto Cine Odeon. Aos onze anos não tive a compreensão exata do filme, claro. Vi depois, em VHS, já com trinta e poucos, tela menor e cheio de boas lembranças. A outra pedra luminosa é, em modesta visão, o mais perfeito filme de ficção científica já feito: O Dia em que a Terra Parou, feito em 1951, onze anos antes do nascimento de muitos dos que leem esse testemunho – eu incluído. Mas é preciso justificar por que acho isso.

Em tempos de continuações de Star Wars e deliciosas bobagens como Guardiões das Galáxias, o filmaço O Dia em que a Terra Parou parece-me muitíssimo superior. Não apenas pela história bem articulada, mas principalmente pela ideia de que o ser humano é incompatível com aquilo que ele tanto proclama e a que ele muito diz visar: o pacifismo. Aos fatos vamos: Klaatu é um alien, um mensageiro, um representante de vários povos que se preocupam com outras civilizações. Ele é avançado – conhece mecânica celestial, filosofia, e sabe lidar com os humanos. Todos os aliens avançados – e sempre o são, claro – têm como preocupação maior o desprezo com que os humanos abusam do próprio ambiente e da própria condição. Klaatu desce, evidentemente, em solo americano e diz que vem em paz. Os humanos, por medo, agridem-no. Trancafiado num hospital, busca, em vão, uma reunião com os líderes políticos que comandam o planeta. Impossível – ou, pelo menos, difícil, afirma de forma arrogante um braço direito governamental ianque.

Klaatu foge, forma humana adquirida, para viver entre nós. Sabe que cientistas lhe darão ouvidos, e que serão eles – ou, na verdade, apenas um, de aparência einsteiniana – os locutores do desafio: reunir os humanos, ou seus líderes, sejam eles ligados à ciência ou à política. Hospedado numa pensão como Mr. Carpenter, faz amizade com o menino Bobby, enternece-se com sua mãe, viúva recente, a quem dá mostras de seu poder: em determinado dia, dentro de um elevador, e munido de informações científicas incompreensíveis a nós, faz parar a energia do planeta – toda ela, em todo canto, total e absoluta. É o dia em que a Terra para, para continuar a mesma, depois – como se nada houvesse acontecido.

Após essa demonstração de poder, e somente assim se faz ouvido, vê-se diante de humanos ouvintes. Sua missão é clara: ele representa uma comunidade intergalática que se preocupa com o fato de os terráqueos desenvolverem armas e tecnologia que podem prejudicar toda a galáxia. Diante de uma platéia que finge ouvir mensagens de paz, mas que, em verdade, não levará a sério toda a problemática que assola a humanidade, ele, Klaatu, o mensageiro, deixa claro que estaremos sendo observados. Ei-lo:

Os anos 1950, a Guerra Fria, a Europa reconstruída – tudo isso colaborando para que se criassem histórias sobre o desconhecido, sobre forasteiros intergaláticos, sobre possíveis ameaças interplanetárias. Wise foi por outro caminho: contou-nos uma história de paz que, aparentada com a boa ameaça, é, em termos absolutíssimos, necessária. Talvez quisesse dizer que a possibilidade da destruição gera o pacifismo, como querem alguns. Isso é balela. Cria o medo mútuo, mas não a paz. Talvez Wise tenha criado um libelo – suave, irônico – contra a autodestruição do homem, contra a corrida armamentista, contra o poder, em resumo. É, para mim, a obra-prima da ficção científica no cinema. Talvez Solaris, de Andrei Tarkovski, seja páreo. E, recentemente, Interestelar, de Christopher Nolan, que tem tudo para se tornar clássico.

A canção atual é ruim?

Resultado de imagem para 100 canções essenciais da mpb revista bravoA vantagem de ser o chefão do blogue é a de se escrever o que se quer, sem interferências. Criei uma tag listas, na qual embuti o melhor do jazz, discos de Chico Buarque e, de quebra, o que li de fundamental. Listas divertem – eu já disse isso. Há alguns anos me chegou uma lista, proposta e arregimentada pela extinta revista Bravo!, que trazia as 100 canções essenciais da MPB. Uma outra revista, em tese mais especializada em música do que a citada Bravo!, a Rolling Stone, aventurou-se na espinhosa comarca das listas. Uso o adjetivo espinhosa não porque criar um grupo representativo disto ou daquilo seja algo que desagrade. Repito: até diverte. O termo liga-se mais ao fato de que toda lista é incompleta – sempre falta algo que o próprio autor da seleção entende como essencial. Pois bem. A Rolling Stone esclarece: “Em uma votação sem precedentes na imprensa nacional, a Rolling Stone Brasil convocou estudiosos, produtores e jornalistas para eleger os maiores discos da nossa música em todos os tempos.”

Fui ler a seleção proposta pelos estudiosos etc. Como listas expressam subjetividade, imaginei, antes da leitura, o quanto haveria de discordância entre o julgamento alheio e a minha opinião – que só não é totalmente anônima porque meus seis ou sete leitores não permitem tal condição. Eis aí a diversão a qual mencionei. Não me decepcionei com a lista. Ao contrário: embora houvesse alguma divergência – nada grave –, o teor seletivo trouxe-me certa alegria. Não vou citar aqui quais os discos selecionados, mas digo, em som alto, que dos dez primeiros títulos – na opinião dos estudiosos etc. –, nenhum deles sequer se liga ao rap, ao pagode, ao funk, ao sertanejo, à cantoria eclesiástica. Já é uma grande vantagem. E mais: dos títulos que mereceram menção e aplausos, 7 deles estão, cronologicamente, ligados aos anos 1970; 2, aos anos 1960, e 1 aos anos 1950. Todos no século passado, evidentemente. Os artistas – Caetano Veloso, Mutantes, João Gilberto, Chico Buarque, Milton Nascimento, Secos & Molhados, Jorge Ben, Novos Baianos – continuam, num certo sentido, na ativa, com exceção de Cartola, o grande compositor e sambista, que entra na 8ª posição com o disco cujo título traz seu nome em alto relevo. Cartola morreu há 38 anos.

Resultado de imagem para 100 maiores musicas brasileiras rolling stoneEis a questão: onde ficam os discos produzidos de 1980 até os dias de hoje? Vagam pelo limbo da seleção mais criteriosa, aquela que leva em conta o conteúdo adulto e que exige de seu consumidor um mínimo de sensibilidade artística? E quanto aos artistas que, atualmente, fazem tanto sucesso entre a garotada? Onde estão Tiaguinho, Emicida, Los Hermanos, Ivete Sangalo, Pe. Fábio de Melo, Jota Quest, Anitta, Pablo Vittar? Onde? No topo das paradas, com a agenda cheia, forrando a conta bancária (honestamente, é bom que se diga), falando exatamente aquilo que seu fã quer ouvir – e nunca contrariando-o, nunca exigindo dele que vá além, que descubra novos rumos, que se desdiga na primeira esquina.

Comentei sobre esta postagem – antes de escrevê-la – com um querido amigo. Ele me ouviu atentamente, e depois vociferou: “Não há canção ruim. O que existem são variações que podem ou não agradar a um determinado grupo.” Ouvi-o, também atentamente, e perguntei o que pergunto a meus seis ou sete leitores: existe má literatura, mau cinema, mau teatro, má pintura – e não existe má canção? Quer dizer, então, que em nome da indulgência universal, deve-se aceitar que uma composição limitada intelectual, harmônica, rítmica, melódica e textualmente seja considerada boa canção? O ideal qualitativo, que faz a arte ser o que é, deve ser desprezado? Em nome de quê? Em detrimento de quem? Ficam as perguntas enquanto ligo o som para ouvir Refazenda, de Gilberto Gil, ausente da lista sabe Deus por quê.

Mulheres #5: Ornella Muti, 63

Se você não viu A Garota de Trieste, veja! Ornella Muti, aos 27 anos, no esplendor da beleza! Algo fora deste mundo, um monumento, o máximo em sensualidade. Não, não veja pelo filme – que não é grande coisa! -, mas por Ornella, o grande motivo pelo qual boa parte da juventude italiana dos anos 1970 foi ao cinema. Assisti ao filme, chato como um disco de Daniel, no fim dos anos 1980, e a partir de então busquei nas saudosas locadoras da cidade qualquer filme em que Ornella fizesse participações, seja como estrela, seja como coadjuvante. Mas quem poderia, com uma beleza destas, ser coadjuvante?

zztrieste2

Dia desses, num desses canais por assinatura, dei de cara com Ornella contracenando com Silvester Stallone. Uma comédia de erros sobre gangsterismo: não é grande coisa também, embora seja assinado pelo sempre excelente John Landis, responsável pelos fundamentais Os Irmãos Caras-de-Pau e Um Lobisomem Americano em Londres. A luminosidade essencial da beleza de Ornella, entretanto, foi motivo para eu manter o controle remoto estacionado no canal. Creio que não existe atriz italiana tão bonita. Calma: Sophia Loren é hors concours. Ornella Muti foi a Princesa Aura em Flash Gordon e nos brindou com a prostituta Cass, em Crônica de Um Amor Louco – este, sim, um filmaço! -, ao lado do sortudo Ben Gazzara. Digo sortudo porque ele contracenou com ela também no filme que abriu esta postagem.

Ao recusar o papel de Melina Havelock, bond girl em 007 Somente para seus Olhos, de 1981, o passo para o estrelato não aconteceu. O papel, entregue então a Carole Bouquet, transformou esta última em estrela internacional, embora por pouco tempo. Apesar disso, estrelou, no mesmo ano, Ninguém é Perfeito, uma comédia italiana esplêndida de Pasquale Campanile, em que Ornella faz o papel de um paraquedista alemão que troca de sexo e se torna uma belíssima mulher – ela, no caso. O filme foi um sucesso retumbante não somente na Itália, mas em toda a Europa. Ei-la, contracenando com outro sortudo, Renato Pozzetto.

Ornella Muti envelheceu bem. Está com 63 anos, mantém-se bela e luminosa. Se o vigor da juventude não é expresso por motivos óbvios, aparenta o mesmo frescor dos primeiros anos de cinema, a mesma expressão jovem, límpida. Na comparação com outras belas conterrâneas, deixou Claudia Cardinale, Stephania Sandrelli, Gina Lollobrigida e Silvana Mangano para trás. Quanto a Monica Belluci, o papo é outro. É a próxima da série.

Deus o abençoe, Kurt Vonnegut!

Se vivo, Jack Kevorkian teria feito 90 anos, ontem, 26 de maio. Para quem não se lembra – ou não sabe -, Jack Kevorkian foi aquele patologista norte-americano, de origem armênia, que polemizou em torno da eutanásia. Considerava o suicídio um direito inerente ao homem, principalmente quando a ideia de tirar a própria vida implicava interromper o sofrimento. Ficou conhecido como Dr. Morte e arrebanhou entusiastas nos quatro cantos do mundo, inclusive no Brasil. Al Pacino, astro de Hollywood, interpretou Jack Kevorkian no filme  You Don’t Know Jack, de Barry Levinson, há alguns anos. É um bom filme, mas nada que impressione. É coisa feita para a tevê.

Jack Kevorkian morreu em 2011. Em 1999, o escritor Kurt Vonnegut, um dos meus ídolos literários, escreveu Deus o abençoe, Dr. Kevorkian, um volume de 21 textos curtos escritos quando Vonnegut se transformou em Repórter do Além. Sim, você leu direito. No Brasil, o livro foi publicado oito anos depois – o que é, sempre, uma lástima. Mas, de volta: em 1998, juntamente com o produtor Marty Goldensohn, Vonnegut criou textos que se baseavam na irônica ideia de quase morte em que o próprio autor ia ao Além para entrevistar os mortos. Tudo, evidentemente, facilitado pela habilidade de Dr. Kevorkian – uma sumidade no assunto.

É uma reunião de textos sensacionais, curtinhos e aparentemente despretensiosos, como a entrevista com Adolf Hitler, que sugere ter um monumento em sua homenagem em um terreno próximo ao prédio das Nações Unidas. Abaixo desse monumento, deveria estar gravada a expressão Entschuldigen Sie – algo como Desculpem-me! Que outros são entrevistados? Entre os mais famosos, estão William Shakespeare e dois Isaacs: Newton e Asimov. Na entrevista com o bardo, Vonnegut pergunta-lhe se foi ele mesmo autor de suas peças. A resposta você só obterá se ler o livro.

É divertido. Vonnegut faz parecer fácil escrever – e qualquer um envolvido em literatura, como escritor ou leitor, sabe que não é. Já escrevi, neste blogue, sobre o Vonnegut humanista. Neste livro – e isso não deixa de ser uma ironia! -, a morte serve para nos fazer celebrar a vida. Um exemplo é a entrevista com Peter Pellegrino, o primeiro norte-americano a cruzar os Alpes num balão de ar quente. Ao saber que Kurt Vonnegut estava vivo ao entrevistá-lo, disse: “Pelo amor de Deus, homem, arranje um tanque de propano e um balão enquanto ainda é tempo, ou nunca saberá como é o Céu!” Boa, não?

Se seu inglês está em dia, você pode ter o privilégio de ouvir o próprio Vonnegut e algumas entrevistas. É só CLICAR AQUI.

 

 

Fala! #6: Philip Roth

A incômoda verdade de Philip Roth - Estado da Arte

“A religião era uma mentira que ele identificava ainda bem jovem, e todas as religiões pareciam-lhe insuportáveis, todas as superstições religiosas eram bobagens sem sentido, uma criancice; não suportava aquela total falta de maturidade – aquele vocabulário infantil, aquela santimônia e aqueles carneiros, os ávidos fiéis. Para ele, nada de conversa fiada a respeito da morte e Deus, nem fantasias obsoletas sobre o céu. A única coisa que havia era o corpo, nascido para viver e morrer conforme o que fora estabelecido pelos corpos que viveram e morreram antes.”

Homem Comum

Ginastera, o Grande

Recebi um mail de um leitor deste blogue. Um dos seis ou sete. Reclamou que tenho dado pouca atenção a “um espaço tão criativo”. As aspas existem porque são palavras dele; não minhas, embora eu as tenha recebido de ouvidos, olhos e braços abertos. Tenho tido pouco tempo, e também pouco assunto que a mim interesse expor neste espaço. Hoje pela manhã, ao contrário, veio-me o desejo incontido de escrever sobre Alberto Ginastera, o grande compositor argentino. Mais do que grande – enormíssimo. Provavelmente o maior de todos, embora seja bem menos conhecido que Piazzolla, por exemplo. É natural. Tom Jobim, genial, é mais conhecido que nosso maior compositor, Villa-Lobos. Mas quero falar de Ginastera, este senhor aí abaixo, com o gato.

Ouvi, pela manhã, toda a sua produção para piano e violoncelo, através do norte-americano Mark Kosower, no cello, e da coreana Jee-Won Oh, uma pianista de primeira. Não é música fácil, melodiosa, que nos faz assobiar quando dela lembramos. Sendo Ginastera um compositor formado no século XX, não fugiu aos arroubos modernos e às rupturas tão necessárias quanto costumeiras. Talvez aí resida a dificuldade em tornar-se popular aos ouvidos menos exigentes. Foi um nacionalista que soube criar além do que se propunha: beber na fonte do folclore nativo, da cultura doméstica. É querido por muitos intérpretes internacionais justamente por isso.

Resultado de imagem para ginastera naxosHá quem queira comparar Alberto Ginastera com Heitor Villa-Lobos. Não entro nessa. Tinham visões de mundo diferentes – e concebiam sua arte também de forma distinta. Ginastera era um obsessivo, um preciosista. Villa era mais displicente. Um gênio absoluto, que abominava revisar a própria obra antes de publicá-la. Paro por aqui. O disco em questão, cuja capa está aí ao lado, traz doze faixas. Atenção especialíssima para Cinco Canciones Populares Argentinas: um primor, acentuado pela habilidade sem equívocos dos dois músicos, excepcionalmente bem sintonizados. O Gato, por exemplo, é de aplaudir durante meia hora, sem intervalos. E olhe que tem pouco mais de 2 minutos de duração. Ah, você se curvará diante de Wayno Karnavalito, uma homenagem ao maestro suíço Paul Sacher.

Ginastera fez bonito. Tem muita coisa de valor: em particular Popol Vuh – A criação do mundo vista pelos maias. Uma obra-prima sem rivais ou paralelos na América Latina. Vale conferir AQUI. Essa mesma gravadora, com sede em Hong Kong, traz até nós quase toda a obra do argentino, de modo que está acessível a quem se interessar. Alberto Ginastera vale a pena. AQUI, o Concerto para Violino e Orquestra, que veio ao mundo exatamente no dia em que completei 1 ano de vida.

 

Page 19 of 27