O álbum perdido de Mr. Coltrane

O quarteto clássico de John Coltrane traz McCoy Tyner ao piano; Elvin Jones na bateria e Jimmy Garrison no contrabaixo. É o timaço que trouxe à superfície discos tão antológicos quanto distintos entre si: A Love Supreme, Ballads e Crescent. É, na minha opinião, o que Coltrane fez de melhor – e incluo aí os discaços com o Miles Davis Quintet, nos anos 1950. Depois disso, o genial saxofonista não teve rivais em seu instrumento – exceção para Sonny Rollins, mas aí a comparação capenga porque um é um deus na harmonia e o outro é um totem melodioso. Enfim, é melhor deixar cada um em seu nicho.

Mas eis o que eu queria dizer: chega ao mundo o tal álbum perdido, Both Directions at Once, com gravações de 1963, algo impressionante a cuja audição me dediquei em minha última tarde de férias, nessa segunda que passou. Não gosto de downloads musicais mas, sem alternativa, fui obrigado a ouvir, em FLAC, gravações fabulosas de Nature BoyOne UP One Down, Slow Blues, Impressions e Vilia – sem contar a faixa inicial, de título protocolar. Vários alternate takes nos quais se percebem diferenças sutis de interpretação: ora McCoy Tyner se adianta; ora Elvin Jones amacia. É um banquete para quem sabe saborear.

Coltrane esteve na folha de pagamento da gravadora Impulse! por 4 anos, de 1962 a 1965. Fez de tudo, nessa época. Baladas, folk songs, standards, flertou com o free, armou-se de blues e spirituals. Era um momento para lá de criativo, embora estivesse pondo o pé na antessala da fase mais radical de sua produção vastíssima: os discos espirituais, a busca pelo etéreo etc. Enfim, um dia escreverei sobre isso. Mas por que essas gravações perdidas chegam somente agora? Provavelmente porque somente há pouco tempo chegaram às mãos da família da primeira esposa de Coltrane, Juanita Naima. A gravadora Impulse! não possuía os tapes.

Há também outra possibilidade: como o contrato de Coltrane com a Impulse! previa dois discos ao ano, pode ser que essas gravações tenham ficado de fora do contrato. É uma possibilidade. Conjecturas à parte, o melhor é ouvir. Vilia é uma peça clássica, de A Viúva Alegre, escrita pelo húngaro Franz Lehár; Coltrane a transforma em jazz de forma sublime. Nature Boy é um show, em que Elvin Jones mostra por que é um dos maiores bateristas do jazz. E sem alarde. Impressions é tema coltraniano por excelência. Slow Blues é o que mais se aproxima da liberdade criativa, da improvisação. Quase 11 minutos e meio de som alto, claro, preciso. One UP, One Down é pauleira: todo o quarteto dialogando em voz alta. O ponto alto do disco.

E a primeira faixa do disco, intitulada Untitled Original 11383? Faça o seguinte: ouça tudo AQUI, AQUI, AQUI e AQUI. Vinil de primeira linha. É o melhor a fazer. John Coltrane merece que se chegue a conclusões sozinho.

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Francisco Grijó

Francisco Grijó, capixaba, escritor, professor de Literatura Brasileira. Pai de 4 filhas.

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