O norte-americano Robert Wise montou Citzen Kane, o clássico de Orson Welles, apreciado pelos cinéfilos. Assinou Punhos de Campeão, um aclamado filme sobre o boxe. Poderia ter morrido feliz e realizado, mas optou por fazer de Julie Andrews uma noviça que cantava My Favourite Things – tema que John Coltrane imortalizaria, mas isso é outra história – em volta de um grupo de lourinhos suíços que temiam o pai de coração gelado. Alguns anos antes havia concebido, em parceria com Jerome Robbins, o grande musical West Side Story, cujo título português, Amor Sublime Amor, é sua única falha. Wise – que era realmente sábio – foi além. Além do sideral, do visto ao nu do olho, e concebeu duas pedras lapidadas da ficção científica. Uma delas, menos luminosa, é O Enigma de Andrômeda, a que assisti por volta de 73, no extinto Cine Odeon. Aos onze anos não tive a compreensão exata do filme, claro. Vi depois, em VHS, já com trinta e poucos, tela menor e cheio de boas lembranças. A outra pedra luminosa é, em modesta visão, o mais perfeito filme de ficção científica já feito: O Dia em que a Terra Parou, feito em 1951, onze anos antes do nascimento de muitos dos que leem esse testemunho – eu incluído. Mas é preciso justificar por que acho isso.
Em tempos de continuações de Star Wars e deliciosas bobagens como Guardiões das Galáxias, o filmaço O Dia em que a Terra Parou parece-me muitíssimo superior. Não apenas pela história bem articulada, mas principalmente pela ideia de que o ser humano é incompatível com aquilo que ele tanto proclama e a que ele muito diz visar: o pacifismo. Aos fatos vamos: Klaatu é um alien, um mensageiro, um representante de vários povos que se preocupam com outras civilizações. Ele é avançado – conhece mecânica celestial, filosofia, e sabe lidar com os humanos. Todos os aliens avançados – e sempre o são, claro – têm como preocupação maior o desprezo com que os humanos abusam do próprio ambiente e da própria condição. Klaatu desce, evidentemente, em solo americano e diz que vem em paz. Os humanos, por medo, agridem-no. Trancafiado num hospital, busca, em vão, uma reunião com os líderes políticos que comandam o planeta. Impossível – ou, pelo menos, difícil, afirma de forma arrogante um braço direito governamental ianque.
Klaatu foge, forma humana adquirida, para viver entre nós. Sabe que cientistas lhe darão ouvidos, e que serão eles – ou, na verdade, apenas um, de aparência einsteiniana – os locutores do desafio: reunir os humanos, ou seus líderes, sejam eles ligados à ciência ou à política. Hospedado numa pensão como Mr. Carpenter, faz amizade com o menino Bobby, enternece-se com sua mãe, viúva recente, a quem dá mostras de seu poder: em determinado dia, dentro de um elevador, e munido de informações científicas incompreensíveis a nós, faz parar a energia do planeta – toda ela, em todo canto, total e absoluta. É o dia em que a Terra para, para continuar a mesma, depois – como se nada houvesse acontecido.
Após essa demonstração de poder, e somente assim se faz ouvido, vê-se diante de humanos ouvintes. Sua missão é clara: ele representa uma comunidade intergalática que se preocupa com o fato de os terráqueos desenvolverem armas e tecnologia que podem prejudicar toda a galáxia. Diante de uma platéia que finge ouvir mensagens de paz, mas que, em verdade, não levará a sério toda a problemática que assola a humanidade, ele, Klaatu, o mensageiro, deixa claro que estaremos sendo observados. Ei-lo:
Os anos 1950, a Guerra Fria, a Europa reconstruída – tudo isso colaborando para que se criassem histórias sobre o desconhecido, sobre forasteiros intergaláticos, sobre possíveis ameaças interplanetárias. Wise foi por outro caminho: contou-nos uma história de paz que, aparentada com a boa ameaça, é, em termos absolutíssimos, necessária. Talvez quisesse dizer que a possibilidade da destruição gera o pacifismo, como querem alguns. Isso é balela. Cria o medo mútuo, mas não a paz. Talvez Wise tenha criado um libelo – suave, irônico – contra a autodestruição do homem, contra a corrida armamentista, contra o poder, em resumo. É, para mim, a obra-prima da ficção científica no cinema. Talvez Solaris, de Andrei Tarkovski, seja páreo. E, recentemente, Interestelar, de Christopher Nolan, que tem tudo para se tornar clássico.