Inovar só tem relevância se a inovação tiver real valor. Falei o óbvio. Experimentalismos no vácuo valem quase nada – exceto, talvez, para seu autor, que imagina ter descoberto a importância do oxigênio. Sei que, após 1922 – quando Joyce decepou de vez o romance moderno -, não se fez nada de novo em literatura. Retomar, reinventar, reciclar: três verbos cujo prefixo expressa que o ineditismo passou longe. Por que falo isso, entretanto? Vou explicar. Em 2016 lancei um livro biográfico intitulado Os Mamíferos – crônica biográfica de uma banda insular. 337 páginas contando a história de 3 artistas e de seus entornos.
A capa está aí, ao lado. Nela, os componentes do time: Mário Ruy (guitarra), Afonso Abreu (líder e contrabaixo) e Marco Antônio Grijó (bateria). Um trio, na verdade – que, em muitos casos, acrescia-se de um vocalista tão talentoso quanto polêmico: Aprígio Lyrio. Falei em inovação, no primeiro parágrafo. Fui específico ao afirmar que nada é novo em literatura. E na música? Creio que esse vaticínio se repita, mas é preciso levantar, no caso dOs Mamíferos, algumas bolas. Duas delas são inquestionáveis porque se baseiam na cronologia. Vou explicar também.
Caetano Veloso e Gilberto Gil são pilares da música popular brasileira. Ao lado de Chico Buarque, formam a Santíssima Trindade da MPB. A dupla baiana criou o Tropicalismo, estética que retomou a Antropofagia de Oswald de Andrade e passou a valorizar o Brasil conectando-o ao resto do mundo. Um dos elementos do movimento foi a fusão de gêneros, ritmos, melodias. Pois é: foram louvados a partir de 1967, quando tudo começou. E não é que Os Mamíferos, esse trio capixaba, já havia feito isso quase dois anos antes?
Quer mais? Miles Davis oficializou o fusion através de um disco extraordinário cujo título é Bitches Brew, em 1969. Nele, o essencial jazzista estabeleceu a união entre o jazz e o rock, criando um mundo novo para os ouvintes de ambos os gêneros. Sim, sim. Os Mamíferos já faziam isso, afinal o trio, antes de se dedicar ao rock, já nadava pela maré do jazz há muito tempo. Para eles, a fusão foi natural. Falo sobre isso no livro, embora evite polêmicas. Elas são desnecessárias, principalmente quando o mais importante na música – e na arte! – é seu conteúdo, é aquilo que ele provoca em quem o consome. Saravá, Mamíferos!
*A foto, de 1969, mostra Mário Ruy (à esquerda, na guitarra); Marco Antônio Grijó (bateria) e Afonso Abreu, no baixo elétrico. Som de primeiríssima. Seria bom se vc tivesse ouvido, Miles!