Revi, faz alguns dias, pela tevê, ao ótimo Eles não usam black-tie, filme de Leon Hirzman. Temática sócio-política de primeira, com interpretações inesquecíveis de Fernanda Montenegro, Carlos Alberto Riccelli e do autor da peça em que o filme se baseou – o italiano de sangue e brasileiro por opção Gianfrancesco Guarnieri. Aliás, escrevo este texto porque hoje, dia 6 de agosto, o citado ítalo-brasileiro faria 110 anos. Filho de pais músicos, dedicou-se ao teatro e à literatura – tornando-se um dramaturgo que sabia fazer a ação (ou drama) e as palavras funcionarem bem.
Não assisti à peça, que, até onde se sabe, foi o que tirou o grupo Teatro de Arena da forca. Sucesso estrondoso quando lançada, em 1958 – antes da euforia da vitória na Copa do Mundo de futebol, na Suécia -, a peça fez grana suficiente para manter o grupo em atividade, e aproveitou para estabelecer novas diretrizes para o teatro brasileiro, do qual Gianfrancesco Guarnieri foi figura fundamental. Sinceramente? Para mim, no teatro brasileiro do século XX existem três grandes figuras: Nelson Rodrigues, Augusto Boal e este de quem vos falo. Um ou dois de meus sete leitores dirá: E Fernanda Montenegro, Sérgio Britto, Paulo Autran, José Celso, Oswald de Andrade, Ariano Suassuna?
Sintam-se à vontade para criar sua própria lista. Pois bem, voltemos a Gianfrancesco e ao texto Eles não usam black-tie, que gira em torno da relação entre operários e patronato, e cuja consequência inevitável é uma greve. Ao mesmo tempo, a relação pai e filho vai pela mesma via de confronto, já que o pai – na peça interpretada pelo russo Eugênio Kusnet, e no filme, por Guarnieri – entra em rota de colisão com o filho fura-greve (na peça, interpretado por Guarnieri; no filme, por Carlos Alberto Riccelli). O filho, Tião, criado num ambiente distante da periferia, é um desajustado que aspira à ascensão social. O pai, Otávio, crê na força operária e na necessidade de lutar por melhores salários e melhores condições de trabalho.
O amor, entretanto, é o sentimento base do texto. Amor do pai pelo filho; do filho pela noiva; da mãe por todos. É a ideia comunitária que une a todos e faz com que todos se amem mutuamente, na comunidade. É um texto extraordinariamente bem escrito – e a primeira peça escrita por esse autor não menos extraordinário. Guarnieri continuou a escrever para teatro: Gimba, A Semente, O filho do Cão; sua produção pós-1964 é essencial para quem quer compreender o Brasil da repressão. Só que Arena Conta Zumbi e Arena Conta Tiradentes ficam para depois.