No começo dos anos 1980, em Vitória, Leonard Cohen foi um artista cultuado por um grupo pequeno de admiradores. Era pequeno justamente porque pouco se falava nesse artista, quase ninguém o conhecia na era pós-disco e havia muita gente que, sabe-se lá por quê, apreciava o medíocre movimento BRock, que trouxe à superfície Barão Vermelho, Blitz, Legião Urbana, Plebe Rude, Paralamas do Sucesso e que tais. Eu tive a sorte de ter colegas que, na faculdade, falavam em Leonard Cohen baixinho, pelos cantos, como se ele fosse uma pérola quebradiça tão frágil que seu nome mal era pronunciado.
Sua voz, ao contrário, era de uma potência tão definitiva quanto pouco usual. O primeiro disco que ouvi, com 19 anos, foi Death of a Ladie’s Man, de 1977, no qual brilham Iodine, a balada Paper Thin Hotel, a espetacular Memories, a narrativa I Left a Woman Waiting, o poderoso country rock Don’t Go Home with Your Hard-On, e, claro, a faixa-título, um poema-conto belo e triste. Na época, só tinha ouvido falar de seus livros – era poeta e romancista – e de como escrevia com a mesma elegância com que tratava os vocábulos numa canção. Embora canadense, toda a sua formação literária pertencia à Inglaterra. A propósito, Death of a Ladie’s Man é também um de seus vários livros de poemas.
Realmente não sei em que seara ele é melhor: se compondo canções ou articulando versos. É, até onde conheço, o único artista que, aventurando-se em dois terrenos, atinge a plenitude criativa em ambos. É neste livro, para mim um clássico, que Leonard Cohen dá sua versão do que é falar poesia. How to Speak Poetry é um achado, um texto que todo poeta responsável deveria ler (falar, no texto, nada mais é do que criar). É a metalinguagem levada ao extremo (tradução minha, livre):
“O poema não é nada a não ser informação. É a constituição do país interior. Se você o declamar e espalhá-lo com nobres intenções, então você não é melhor que os políticos que despreza. Você é apenas alguém sacudindo uma bandeira e fazendo o apelo mais banal de patriotismo emotivo.”
Leonard Cohen morreu há exatamente um ano. Segundo consta, foi vítima de uma queda enquanto dormia. Aos 82 anos, o artista legou-nos 14 discos oficiais, em estúdio; 7 discos ao vivo e 5 coletâneas. Na literatura: 12 livros, entre poemas e romances, e 3 coletâneas de versos. Não é pouco. Em qualidade, é muito mais do que merecemos.