Talvez eu esteja exagerando, mas o romance brasileiro do século XX chegou a seu apogeu com dois autores: João Guimarães Rosa e Nelson Rodrigues. O primeiro aperfeiçoou o regionalismo, saindo do NE e rumando para o sertão mineiro, levando a linguagem – que é a matéria-prima da literatura – a consequências últimas. O outro não tem rivais quando os temas são a perversão humana, a vilania, o pecado, a hipocrisia e o sexo. São dois mestres inquestionáveis, a meu ver. E depois deles? Quem é o grande romancista brasileiro? Quem conseguiu a façanha de manter-se sempre no auge, enquanto escreveu?
Eu escolho João Ubaldo Ribeiro. Ok, você dirá: ele é muito mais cronista que romancista. O citado Nelson Rodrigues também – mas o que é um romance senão um emaranhado de pequenas narrativas que, juntas, caracterizam uma longa história? Se duvida, leia, ao menos, dois de seus livros: Viva o povo brasileiro e O Sorriso do Lagarto. E olhe que estou deixando de lado a obra-prima Sargento Getúlio que, na verdade, mereceria uma postagem só para ela. A Casa dos budas ditosos é ótimo, mas não tem o vigor literário dos 3 citados neste parágrafo.
Permitam-me a metonímia: ler João Ubaldo Ribeiro é usufruir daqueles prazeres que somente a boa literatura vira-página é capaz de proporcionar. Texto fluido, é quase uma maré que tem suas mansidões e seus destemperos, mas ainda assim oceânica, grandiosa. Em Viva o povo brasileiro, 330 anos de formação de um país que foge à história oficial – contada pelos dominantes -, e indo em busca do olhar anônimo, do homem comum (do brasileiro popular). Há humor, há seriedade, há tragédia, há intertextualidade. Sob a bênção de Jorge Amado, seu padrinho literário, o escritor criou o romance definitivo de um país de poucos grandes romancistas.
O Sorriso do Lagarto (que já foi filmado para a tevê) traz a mesma ligeireza narrativa, de vocábulos exatos, bem colocados para criar uma história em que sexo, ciência, humor e política misturam-se de forma a expor o que realmente somos: finitos, fúteis e ignorantes mesmo que nos camuflemos como cidadãos honestos e de boas intenções. Há triângulo amoroso, há cientista despudorado, há político canalha e há, claro, a figura feminina ambígua e perigosa. Elementos que, bem temperados por uma boa história, fazem do livro uma obra-prima.
Escolhi escrever sobre João Ubaldo Ribeiro porque hoje, 23/1, ele faria 83 anos, caso estivesse vivo. E não está?, alguém pode perguntar.