Os puristas dirão que exagero, mas insisto em uma afirmação há 30 anos: o quarteto de Dave Brubeck (ele próprio, Joe Morello, Gene Wright e Paul Desmond) está entre as grandes formações do gênero em qualquer época. Para muitos, os vários grupos encabeçados por Miles Davis, nas décadas 1950/60, são o que há de melhor. Para outros, o Modern Jazz Quartet sintetiza o que é verdadeiramente o jazz, sem as contaminações de praxe, sem os desvios de rumo. Fala-se em Coltrane, Roach-Brown, Mulligan-Baker. E há, como se sabe, inúmeros outros quartetos e quintetos que tornaram o gênero algo essencial à música como um todo. Mas este texto diz respeito a Dave Brubeck e sua turma, e mais especificamente a um disco, Bossa Nova USA.
Este disco, a despeito de ser excelente, não traz temas específicos da Bossa Nova, ou aquilo que os norte-americanos chamavam, e ainda chamam, de jazz samba. Pouco, a não ser o título, lembra, de fato, o gênero que consagrou João Gilberto e Antonio Carlos Jobim, e que elevou a música brasileira a patamares nunca imaginados na indústria fonográfica mundial. Com a popularização da BN nos EUA, muitos músicos passaram a cumprir a obrigatoriedade: ao menos um disco deveria ter algo do gênero brasileiro, cool e jazzístico. Não deu outra. Eis um exemplo, embora sem a exatidão do que se fazia no Brasil.
Não sei se quem lê conhece Joe Morello, um dos grandes bateristas do jazz. Um dos pontos altos da Bossa Nova está na sua pegada percussiva, um tanto delicada, mas advinda do samba. Milton Banana era um craque nessa pegada. Edison Machado, outro. Joe Morello, excepcional instrumentista, não domina o suingue peculiar dos bateristas do gênero. BN é coisa doméstica, praticada por quem está acostumado ao samba, um balanço muito especial, típico. É só ouvir a gravação AQUI para perceber. Ele quase consegue, em Vento Fresco, e Coração Sensível mas falta algo. Não só a delicadeza rítmica e a complexidade harmônica fazem a Bossa Nova ganhar vida.
É sempre bom lembrar, entretanto, que o disco em questão é uma obra-prima, com execuções de Paul Desmond que podem estar presentes numa antologia mundial do sax alto. Sem contar o próprio Brubeck, inspirado, reverenciando, a seu modo, o gênero brasileiro. Quanto a Gene Wright, bem, é um sideman desejado por todos. Se tiver tempo, é só seguir os links (The Trolley Song, Theme for June, Irmao Amigo, Cantiga Nova e Lamento). Ouça com atenção, porque o jazz merece. E o quarteto de Brubeck também.