Aqueles que apreciam charutos deveriam ler Fumaça Pura, de Guillermo Cabrera Infante. Escrevi sobre esse livro, lá nos primórdios do Ipsis, em 2017. É uma beleza de texto, um ato de amor ao tabaco e ao cinema. Vale a pena ler, mas leia antes meu texto: como aperitivo. Dedico-me a Cabrera Infante há muito. É dos maiores na América Latina, embora tenha muito de Inglaterra nas veias e músculos. Estou lendo um livro adquirido em 1996, e guardado para ser lido no momento oportuno (que chegou): Mea Cuba, uma série de artigos sobre a ilha que foi obrigado a abandonar.
Cabrera Infante enfrentou Fidel, enfrentou a burocracia soviética, deixou claro a muitos escritores insulares que a Revolução não poderia moldar a arte. Poderia ser seu estímulo, seu ponto de partida, mas nunca, sob qualquer hipótese, deveria restringir a produção literária a uma visão comunista do mundo. Cabrera infante não considerava Fidel comunista. Considerava-o um alcaide, um manda-chuva que não poderia (nem deveria) ser contrariado. Mea Cuba traz um escritor disposto a enfrentar seus demônios, mas principalmente os demônios alheios.
Ele continua o mesmo – ainda bem! Abusando das referências cinematográficas e literárias, dos trocadilhos e neologismos, traz à superfície inúmeros personagens da vida culta de Havana, principalmente escritores. Sofri razoavelmente com um texto intitulado Carpentier, um cubano de calibre, no qual ele mostra o também cubano Alejo Carpentier – um de meus ídolos literários – como um indivíduo pedante, egoísta e marcado por um narcisismo injustificado, tanto física quanto literariamente. E que fingia ser europeu.
Exilado, Guillermo Cabrera Infante retoma sua Cuba da infância e da adolescência, da mística antilhana, das rodas boêmias, dos amigos e dos interlocutores, que tanto lhe trouxeram conhecimento. Na garganta, entretanto, está a Cuba de Fidel, cheia de regras e dada a perseguições políticas, fundada e afundada no caudilhismo, afeita a um partido único e, surpreendentemente – para ele – sustentada e apoiada por escritores que sabiam que a liberdade é o maior patrimônio da arte. Mea Cuba é um acerto de contas.
Li inúmeros livros de Cabrera Infante. Três Tristes Tigres foi o primeiro, nos anos 1980. Depois fui buscar Havana para um Infante defunto, Vista do Amanhecer no Trópico, Fumaça Pura e Delito por dançar o cha-cha-chá. Se você nunca leu nada dele, apresse-se. Está perdendo muito.