Há 21 anos, um querido amigo presenteou-me com Notícia de um Sequestro, de Gabriel García Márquez, colombiano que levou um merecido Nobel em 1982. García Márquez não está entre meus preferidos, na América Espanhola, mas é grande, sabe narrar, é versátil – embora tenha escrito vários livros que, num certo sentido, são o mesmo. Enfim, isso é outra história. Notícia de um Sequestro destoa dos mais conhecidos textos do autor. Primeiro porque não é ficção; segundo, porque o próprio título entrega: é uma reportagem, fundamentada num fato tão verídico quanto terrível – o sequestro de Maruja Pachón e Beatriz Villamizar, duas figuras que realmente existem e que foram sequestradas pelo cartel de Medelín a mando do famosíssimo imperador do tráfico Pablo Escobar.
García Márquez não me surpreendeu. O livro poderia se chamar É Tudo Verdade, porque é exatamente nesse ponto que toda a narração se baseia. Aliás, o que me impressiona em sua forma de narrar é a velocidade que imprime aos períodos, ao fraseado, sem torná-los descartáveis. Ao que me parece – e talvez seja isso reflexo do olhar de escritor – é que tudo na frase é essencial. Nada pode ser retirado, sob pena de trazer prejuízo ao significado, mesmo que tal prejuízo seja pífio. Mesmo sabendo ser García Marquez um jornalista, sua ficção mantém-se meu interesse. Sua querida Macondo e suas personas fazem parte de meu imaginário – e do imaginário de tantos outros leitores de minha geração.
Eis a questão: poucos são os leitores fora da Colômbia que (re)conhecem, de fato, como funciona a política do país. Não há problemas quanto a isso. García Márquez faz aquilo que os grandes escritores – e somente eles! – conseguem realizar: transformar a questão doméstica numa trama universal. Se você tinha dúvidas sobre a afirmação de Tolstoi quanto a essa questão, pode esquecer. García Márquez confirma a ideia: Colômbia, nesse caso, pode ser qualquer sociedade oprimida pela política e pela bandidagem.
O mínimo que se espera de um bom jornalista é que ele saiba escrever. Depois, que seja capaz de detalhar sem ser prolixo, escrevendo com precisão. Por último, que seja verossímil. Não, não se engane: a verossimilhança não é uma consequência do jornalismo. Enfim, Maruja Pachón não foi a primeira vítima do Cartel de Medellín que, carregado de destemor e de capacidade estratégica, sequestrou outras tantas vítimas. O autor nos traz informações sobre todas elas, expondo a situação de forma ao leitor imaginar-se no cenário (seja no cativeiro, seja fora dele). É uma aula de jornalismo e de como se deve fazê-lo. A propósito: Pablo Escobar, cujas imagem e biografia têm alimentado, atualmente, o cinema e as revistas, não é personagem central – mas tem seu lugar na narrativa. Inclusive num papel tão irônico quanto contundente: um crítico do sistema governamental colombiano.
A motivação do sequestro foi a Lei de Extradição, assinada pelo presidente colombiano Turbay Ayala, que permitia a extradição de narcotraficantes. Escobar utilizou os sequestros para exigir a revogação dessa lei, que durou de 1984 a 1991. Enquanto a lei não era anulada, várias negociações entre políticos e traficantes foram realizadas. García Márquez mostra esse delicado processo de forma contundente e analisa-o historicamente, informando o leitor sobre uma realidade que, não sendo a brasileira, por exemplo, é um tanto desconhecida. Vale a leitura.