Poetas surrealistas sempre tiveram minha simpatia. Li Breton, Alexandre O’Neill, Apollinaire, Desnos, Élouard. Li também o brasileiro Murilo Mendes e, no início dos anos 2000, caíram-me aos olhos – por pura fortuidade – alguns poemas da escultora mineira Maria Martins. Nada se compara, em minha modestíssima avaliação, aos poemas do francês Benjamin Péret, os quais li, numa tradução de Amor Sublime, livro de poemas e ensaio publicado pela editora Brasiliense, há 37 anos. A propósito: nasceu num 4 de julho, há 123 anos.
Péret, trotskista (como Breton), era um ativista de primeira linha, dotado da charmosa agressividade dos artistas politizados. Envolvido com o movimento surrealista, que ajudara a fundar, era a mente criativa – dentre outras mentes criativas – por trás do periódico La Révolution Surréaliste. A convite do amigo pessoal Mário Pedrosa, seu concunhado, morou no Brasil por três anos, viajou um bocado como etnógrafo, pesquisou, encantou-se com o povo nordestino até ser expulso formalmente por Getúlio Vargas.
Amor Sublime é um livraço. No original, Je Sublime e Un Point c’Est Tout: poemas de força literária invulgar, cheio de imagens que, à leitura desavisada, não agradam imediatamente. Péret deve, penso, ser lido devagar, com a lentidão que auxilia a absorção plena. Versos longos, nem sempre pontuados, exigindo que o leitor estabeleça com o texto a cumplicidade necessária. Desde que adquiri o livro – em fins dos anos 1980 – vou (re)lendo devagar, poema a poema, indo e voltando como textos de mão dupla.
O ensaio O Núcleo do Cometa é uma obra-prima. Seu tema é o amor e quem já dele falou: de Santo Agostinho a Platão, passando pelas tábuas de Moisés, Baudelaire, Stendhal, Tolstói, Rousseau e mais um punhado de citados que, numa algazarra bem ordenada, ilustram um dos textos que deveriam ser lidos por todos os interessados em afeto e em seus desdobramentos.
E ainda nos revela isto: “A sociedade permite livre curso a todas as formas de amor, exceto ao amor sublime, para cujo triunfo ela antepõe todos os vetos, pois ele tende a desagregá-la ao revelar aos homens a felicidade à margem dela e de seus ideais. É por isso que os homens apelam sem cessar para a voz dos poetas e dos artistas.” É isso aí, Benjamin.