Nesses tempos antitabaco, apreciar o fumo equivale a privar com o Satã, porque fumantes, hoje, são vistos como energúmenos que precisam da urgente ajuda exorcista, dessas de algumas igrejas pentecostais, que povoam as madrugadas na tevê. O consumo de cigarros virou a grande praga do século, equivalente à Peste Negra, que matou os europeus há 600 anos. O consumidor de charutos, em contrapartida, parece obter certa indulgência social.
O motivo é, naturalmente, econômico – charutos bons custam caro –, mas deve-se observar também o fato de que se leva muito tempo para consumir uma unidade. Charutos comburem menos que cigarros, qualquer um sabe disso e, para o fumante ansioso, um charuto é algo contraproducente. Sem contar que sua fumaça não foi feita para ser tragada, e isso gera rebeldia pulmonar. Mas iniciei esse papo sobre tabaco porque li na Folha de S. Paulo, há alguns dias, uma pequena matéria sobre um escritor a quem admiro, assim como admiro o que ele escreveu: o romancista e cronista cubano Guillermo Cabrera Infante.
É bom que se saiba que Cuba não tem apenas açúcar, tabaco e boxeadores. Tem também boa literatura. Cabrera Infante era um apaixonado por cinema, sendo ele o responsável pela organização da Cinemateca de Cuba, em 1951, oito anos antes da revolução que levou Castro ao poder. Algum tempo depois, rompeu com o governo e exilou-se na Europa, onde ficou até morrer, em 2005. Mas o que Cabrera Infante tem a ver com tabaco? Simples: além de ser um grande apreciador de charutos, escreveu Fumaça Pura (Holy Smoke, originalmente), um livro tão saboroso quanto os cohibas que consumia diariamente.
É uma obra de 1985, mas só chegou por aqui vinte anos depois. Li-o aos poucos, na época. Para quem já leu Três Tristes Tigres ou Havana para um Infante Defunto, vai se surpreender porque a marca registrada do autor – os jogos linguísticos, os trocadilhos – aparece menos. Ele dá mais importância à opinião, além de fazer uma espécie de compêndio do fumo e dos fumantes através dos tempos, além de, claro, não se distanciar do cinema – que foi, em última análise, um grande difusor do fumacê. Ao final da edição, há um “índice de filmes citados” – o que dá uma amostra do que Cabrera Infante viu nas salas escuras. Um livro notável para quem gosta de ler e para quem gosta de fumar. Na capa da edição brasileira, o ator e comediante Groucho Marx olha para cima – possivelmente para as elipses feitas pela fumaça que se esvai.