Jean Cocteau, o poeta, romancista e dramaturgo francês, disse que a atriz Ava Gardner era “o mais belo animal do mundo”. Referia-se, claro, ao conjunto da obra, o qual nunca viu, por inteiro. Não se pode dizer o mesmo do baixinho ator Mickey Rooney, do clarinetista Artie Shaw, do meu xará Frank Sinatra e de alguns toureiros, sendo um deles o famoso Luis Miguel Dominguín, que dizia abater mulheres e bovinos com a mesma competência. Esses tiveram a sorte que Cocteau não teve – até porque o francês não apreciava as mulheres. A frase, no entanto, é boa, e traz em seu núcleo uma ideia charmosamente machista. Talvez eu seja criticado pelo advérbio, mas vou correr o risco.
A afirmação de Cocteau, nos dias de hoje, causaria fúria – e não somente de mulheres, mas de todos aqueles que, munidos de um justificado patrulhamento, tornam réu aquele que transgride regras do bem-viver. A bem-viver leia-se respeito. Há algo de tão grave quanto qualquer patrulhamento: o outro lado, travestido de democrático baluarte da liberdade de expressão, chamar a isso mimimi. Não, não é mimimi, não é reclamação barata nem chatice repetitiva. Vestir a pele do outro não é fácil, mas parece-me a melhor maneira de frear os arroubos arbitrários dirigidos a quem, numa situação específica, está vulnerável.
Tenho um programa – podcast e vídeo – intitulado Vitrine Literária. É um programa semanal em que entrevisto atores ligados à arte das letras, sejam eles poetas, escritores, editores, bibliotecários, leitores, críticos etc. Alguns consumidores assíduos já me questionaram por que há mais homens sendo convidados do que mulheres. Respondi, com a honestidade costumeira, que a matemática é simples: há mais homens expondo o trabalho (livros, no caso) do que mulheres, de modo que é mais frequente a participação masculina do que a feminina. Digo isso com certa angústia, porque, em minha modestíssima opinião, mulheres têm mais sensibilidade para a arte do que os homens. São capazes de enxergar nuances da realidade que os homens, por não terem sido treinados para tal tarefa, têm dificuldades para notar. Não, não estou sendo sexista, embora possa parecer. É apenas uma opinião, e sujeita a apedrejamentos de ambos os lados.
E qual o motivo? Provavelmente porque – a História mostra isso – as mulheres foram relegadas a um plano secundário. Repelidas, não puderam protagonizar na pintura, na música, na literatura, na escultura etc. Claro que há exceções – ainda bem! Ava Gardner foi uma dessas exceções. Escolhia os próprios filmes, assim como dizia com que diretor preferia trabalhar. Trocava de marido quando enjoava deles, tinha opiniões polêmicas sobre vários temas e era a mulher mais bonita do cinema de sua época. Provavelmente de qualquer época. Se para você, um filme feito antes de 2000 é tão antigo quanto o teorema de Thales, não fará ideia de quem seja Ava Gardner. O Gúgol revolve isso para você (eu também, é só olhar a foto) – e quando resolver, prepare-se: é possível que você assine embaixo da frase de Jean Cocteau.
*Este texto faz parte do novo volume de crônicas, intitulado DOXA, volume 2. Em breve!