Bob Dylan é o grande trovador norte-americano. Ganhou Nobel, fez um punhado de discos, escreveu letras longas que diziam verdades para a juventude, mudou de gênero uma ou duas vezes, fez rock, fez folk, influenciou gerações e escreveu canções imortais. E ainda por cima usou sua música para aventurar-se numa outra área: a pintura. É o nítido caso da Teoria das Correspondências, de Baudelaire. Bob Dylan assumiu essa ideia, e fez a audição conectar-se à visão numa sinestesia mais-que-perfeita. Observe o quadro Closing Time, de 2020.
Olho para o quadro e vejo a desolação do blues, o after hours decadente, do submundo, a tristeza exposta como se fosse uma obrigação para a arte. Ouço a música sublinhando significativamente a cena: a melancolia da guitarra, o som da bateria espaçado e simples, cheio de lacunas. Uma possível Marilyn, ao alto, observando, de sua cama, a derrocada de um homem enquanto o ambiente vai-se fechando. Abaixo, Manhattan Bridge, Downtown New York, de 2016, a visão pessoal (e de um ângulo improvável) de um dos pontos mais icônicos de Nova Iorque.
Há algo de Edward Hopper nos trabalhos de Bob Dylan. A solidão das personagens é explícita, tendo a degradação do ambiente como testemunha e consequência. Dylan volta no tempo: opta por retratar uma época extemporânea – anos 1950 e a década seguinte -, como forma de expor parte da cultura norte-americana urbana, desolada, sem perspectivas. Álcool, cigarros, tristeza, blues. Hopper foi o primeiro a ir por esse caminho, compreendendo que, para alguma parcela social, não há saída. Apenas desapontamento. O quadro abaixo tem o título de Florida Keys.
O trovador não se restringe, entretanto, ao universo da consternação. O trabalho Abandoned Drive-In, Yucca Valley é um exemplo de como se pode observar o abandono de forma positiva: cores variadas sob um céu azulado. Dylan pinta desde 1968. É dele a capa do primeiro álbum do grupo The Band, além de Self Portrait, dele próprio. Em 1973 veio a glória pictórica: a editora Knopf publicou Writings and Drawings, contendo as letras das canções de Dylan + várias ilustrações feitas por ele. Eis aí a correspondência: Baudelaire confirmado por Bob Dylan.
Vale a pena checar os trabalhos dele na Halcyon Gallery. é só clicar AQUI.