Hector Berlioz é o maior nome do romantismo francês. Na música, evidentemente. É o que Victor Hugo representa para a literatura: o gênio puro, o artista máximo de uma época. Ouvi, durante a manhã de sábado, o oratório L’Enfance du Christ, obra superlativa de todo o romantismo europeu. Charles Munch, maestro linha-dura, foi diretor musical da Boston Symphony por 13 anos, e em 1956, gravou essa peça musical de pouco mais de 90 minutos. Obra-prima, levada às alturas por Cesar Valletti – narrador e centurião romano -, Maria (Florence Kopleff), José (Gérard Sousay) e Giorgio Tozzi, que acumula as funções de Herodes, Polydorus e um anônimo pai de família.
Berlioz não era grande coisa como instrumentista. Mal sabia tocar violino, piano ou cello. Seu instrumento, de fato, era a orquestra, como um todo. Ninguém o superou, em qualquer época: é o pai orquestral de Wagner e de Strauss, que, pode-se afirmar, não foram além dele. Em L’Enfance du Christ, porém, está comedido, afinal é um ofertório, e arroubos orquestrais não são bem vindos. Sua influência é inegável, embora – e isso é realmente curioso – não tenha deixado discípulos. Não há registro de alunos de Berlioz.
Abordar a infância de Jesus não é algo corriqueiro. Preferem-se, claro, a vida milagreira, as peregrinações, a crucificação e, lógico, o que o distingue dos outros seres humanos: a ressureição. O que chama a atenção é a narração: direta, sem floreios. Cesar Valletti, tenor que brilhou como Don Otavio, na mozartiana Don Giovanni, abrilhanta o oratório com uma clareza de fazer inveja a um professor de francês. E olhe que Valletti era romano! A estrela, porém, é Giorgio Tozzi, que interpreta Herodes, em sua angústia cheia de terror e urgência. Hector Berlioz, um autêntico antirreligião, sentiu-se à vontade com o tema.
A novaiorquina Florence Kopleff faz uma Maria um tanto tímida, mas nem por isso distante da beleza e do gozo que essa figura gera nos católicos. Vale ouvi-la com cuidado, observando o frescor de sua voz límpida. Fui buscar no YouTube as imagens dessa gravação. Não há, após quase 70 anos. Há, entretanto, esta AQUI, com o Coral Monteverdi e John Eliot Gardiner mandando ver. Dizem que há uma gravação estupenda com o belga Philippe Herreweghe, mas eu não conheço. Certamente é coisa fina, mas eu gostaria mesmo era de ter testemunhado o trabalho de Munch.
A propósito: o disco em questão é duplo, e traz as obra Les nuits d’eté – que ficará para uma postagem futura.