Chico e Rubem não são os mesmos. O Chico de quem falo é o Buarque, carioca e compositor, possivelmente o maior nome da MPB nos últimos 50 anos. Sem exagero. O Rubem a quem me refiro é o Fonseca, ás do conto e do romance, foi a referência desses gêneros, no Brasil, por 30 anos. Como eu disse, Chico e Rubem não são mais os mesmos. Perderam o fôlego, não são – hoje – nem sombra do que foram, embora se mantenham entre os melhores em suas áreas. Continuam grandes, mas não são mais os maiores. Antes que eu me esqueça: continuo consumindo o que produzem, exceto, devo admitir, os romances escritos pelo meu xará. Não consegui ler Estorvo. Benjamin deu trabalho, mas terminei – com a sensação de que não deveria ter lido. Leite Derramado é chato de doer. Em contrapartida: os textos para teatro – Ópera do Malandro, Gota D’Água e Calabar – são ótimos.
O que Chico Buarque produziu de melhor (na canção) concentra-se nos anos 1970. Construção, Meus Caros Amigos, Chico Buarque (o disco da samambaia) e Ópera do Malandro são álbuns irrefutáveis. E eu diria té que o disco de 1981 – Almanaque – rivaliza com os títulos citados. Depois disso, só se salva O Grande Circo Místico, mas aí já é obra em parceria – com Edu Lobo, outro gênio. Já li gente dizendo que os anos de chumbo ajudaram Chico a criar. Isso é bobagem. Chico não criou porque havia repressão e censura, mas apesar delas. A questão que se pode levantar é que o nível criativo já não é o mesmo há, pelo menos, 30 anos. Nenhum outro disco dele, entre 1983 e 2018, tem o vigor criativo dos discos setentistas, com suas canções inesquecíveis e essenciais. NESTA LISTA você pode entender o que digo. Claro: é opinião pessoal.
E quanto a Rubem Fonseca? Para muitos, ele é melhor no conto, esse gênero que, segundo Cortázar, vence o leitor por nocaute. Para mim, foi romancista de primeiríssima linha, se considerar dois livros: A Grande Arte e Bufo & Spallanzani. Depois disso, as narrativas longas perderam o viço, a linguagem repetiu-se, bem como as obsessões, as imagens violentas e as perversões tornaram-se clichês. O Doente Moliére quase foi uma exceção, mas perdeu-se ao tentar reproduzir, com ironia, um ambiente que somente os europeus conseguem vislumbrar. Foi craque nos contos quando trouxe à superfície O Cobrador, A Coleira do Cão, Os Prisioneiros e Feliz Ano Novo. Sinceramente? Nem meus ídolos Dalton Trevisan e Murilo Rubião rivalizavam.
Fonseca trouxe a crueza da realidade para a literatura contemporânea, e arrisco dizer que nenhum outro autor brasileiro sabia retratar linguagens distintas tão bem: do mecânico ao médico, passando passando pelo traficante, pelo advogado, pelo empresário, pelo garçom, pela prostituta, pela modelo, pelos grã-finos, pélos executivos, pelos atletas. Acho que ninguém fez melhor – até os dias de hoje. É sempre bom lembrar que, como Chico Buarque, Rubem Fonseca teve seu ápice: da metade dos anos 1970 até a metade da década seguinte. Depois disso, escreveu livros irregulares, alguns até interessantes ( Diário de um Fescenino, Agosto e A Confraria dos Espadas), mas nada que causasse surpresa. Os livros recentes, entre 2011 e 2018 – cinco, ao todo -, revelam um autor que não se reinventa. Isso, entretanto, não é um problema. O problema é repetir-se, e um leitor-fã, como eu, percebe isso.
Que fique claro, ao final de tudo (e repetindo): continuo a ler os livros de Rubem Fonseca e a ouvir as canções de Chico Buarque. Sou devoto, mesmo que crítico.