Já adianto: Gay Talese escreve bem melhor do que se imagina. É um craque do new journalism – e essa afirmação me parece resumitiva demais. Então, lá vai: está entre os melhores textos, sejam eles de ficção ou não. Aliás, sua não-ficção vale mais como literatura do que muitas páginas de autores consagrados. Cheguei a Talese por Tom Wolfe, outra fera do jornalismo literário. Truman Capote, também fã dele, dizia que sua forma de narrar não possuía rivais. É provável que Capote tivesse razão. Pela primeira vez escrevo uma resenha – ou apenas um comentário – sobre um livro que ainda estou lendo. O título? A Mulher do Próximo – aí ao lado. O livro; não a mulher.
Hugh Hefner, chefão da Playboy, é o primeiro personagem do livro. Sua trajetória, antes de se tornar o magnata do sexo e das coelhinhas, foi feita de desacertos, de decepções e de pertinácia. Insistiu numa possibilidade – que consistia em acalentar boa parte dos homens casados e adolescentes desesperados – e lucrou com isso. Criou um símbolo sexual: uma revista que atravessa décadas de forma altiva e carregada de soberba. É uma das marcas que definiram o século XX. O livro de Talese traz o subtítulo: uma crônica da permissividade americana nas décadas de 1960 e 1970. Hugh Hefner definiu essa permissividade como ninguém. Alimentou-a até que ela estivesse robusta e pudesse caminhar sozinha.
O livro é uma beleza. A narrativa é sedutora. Personagens reais adeptos do amor livre, das relações conjugais liberadas, do tesão como redenção humana – tudo isso perpassa as quase 500 páginas da tradução brasileira com um vigor narrativo que testemunhei em poucos escritores/jornalistas. Gay Talese hospedou-se na Sandstone Retreat, um resort californiano para casais adeptos do swing, um palco mais que adequado para que pudesse abastecer-se de informações que comporiam o livro. Ficou por lá alguns meses para, apenas 10 anos depois, em 1981, lançar o livro, carregado de mulheres desembaraçadas e seguras, de homens que, obrigados a acompanhar tais mulheres, tiveram de optar pelo autoconhecimento, lutando contra preconceitos de uma sociedade altamente cínica como a americana.
Barbara e John Williamson, criadores do resort, são personagens do livro. Tão reais quanto o que propunham, são expostos de forma contundente e ao mesmo tempo curiosa: são uma espécie de mensageiros do sexo, libertadores de estigmas que existem justamente para massificar e tolher casais que seriam muito mais felizes se fossem adeptos do amor livre, do matrimônio aberto, sem mentiras e fingimentos. Repito: é um livro saboroso, que deve ser lido por todos aqueles que, curiosos ou estudiosos, enxergam na permissividade e no amor sem preconceitos um assunto no mínimo necessário. A propósito: o título dessa postagem faz menção à tradução brasileira do título: Thy Neighbor’s Wife. Vou lendo.