Gosto de rever filmes, assim como aprecio reler livros, ouvir a mesma faixa do disco repetidas vezes etc. Comentei, há algumas postagens, sobre Quino, o extraordinário cartunista argentino. Também escrevi sobre Milo Manara. Em outras palavras, também admiro os quadrinhos e, no caso deste texto específico, admiro quando os quadrinhos se ligam ao cinema. Não, nada de Marvel ou DC, embora não chegue a desgostar de algumas películas que trazem Batman, X-Men, Superman & O Justiceiro. Como você poderá perceber, vou ao outro extremo para falar de um filme que considero dos melhores que vi nos últimos anos, e que revejo tanto quanto possível: American Splendor, que aqui no Brasil ganhou o título de Anti-herói Americano, criação conjunta dos diretores Robert Pulcini e Shari Springer Berman.
É bom saber: American Splendor é uma revista, um comic book que se fundamenta exclusivamente em fatos quotidianos, na cidade de Cleveland, Ohio. Os autores dessa revista-crônica são o legendário e maldito Robert Crumb e um tal Harvey Pekar, o anti-herói protagonista da película, um judeu depressivo unha-de-fome e amante do jazz que trabalha como arquivista – e por isso é frustrado. Não gosta do que faz e foi abandonado pela esposa que, ao deixar o lar em que viviam, disse não aguentar a vida plebeia. Resolve criar uma revista a partir de um fato solitário: ao organizar arquivos de óbitos, vê-se diante da ficha de um homem que trabalhara durante toda a vida num emprego como o dele. A partir de então, resolve criar uma revista, que se torna famosa e vende como chicletes, mas Pekar continua na mesma, até envolver-se com uma mulher tão esquisita quanto ele, que vê em todos os seres humanos sintomas neuróticos.
Só essa premissa, a meu ver, já valeria uma checada no filme, mas há mais: Harvey Pekar, com a fama, chega a sentar-se por algumas vezes na cadeira diante de David Letterman (sim, o do talk-show que o Jô Soares copiava) – até que os dois se desentendem e esse é o ponto alto do filme. Hilário e o mesmo tempo triste. Tudo isso realmente aconteceu. Pekar existe de verdade – e aparece no filme ao lado do ator que o interpreta, Paul Giamatti. Dessa forma, o filme desemboca na metalinguagem, bem arrumada, irônica, mordaz, por vezes muito engraçada. Giamatti é da safra daqueles atores que se sustentam pela força dramática apenas, e não pela estampa – aliás, ele é feio como um olho roxo e suas caretas expressam sua dor e seu desprezo pelo mundo que, reciprocamente, também o despreza.
O filme se constrói em película e em desenho, como se um fosse continuidade do outro – aliás, é exatamente isso o quem acontece. A técnica vem dos quadrinhos, o enquadramento flui como num gibi no qual não existem páginas viradas. Sempre se volta a elas, pois assim funcionam as boas histórias. Tudo bem: o leitor dirá que isso não é novidade. Não é mesmo. Caso o que importasse aqui, nesta postagem, fosse trazer algo novo a quem quer que leia, qual o propósito de rever um filme? Paradoxalmente, quanto mais o revejo, mais elementos novos observo. Talvez seja esse o real esplendor.
AQUI você vê um trailer do filme.