Imagine um filme que abre mão de seu fundamento – a imagem – para homenagear uma prima próxima, que lhe sustenta e protege. Essa prima, muitas vezes rabugenta, vive dizendo que o primo tropeçou aqui e ali, que não devia ter feito algo, que foi ingênuo quando deveria ser malicioso. Sim, a prima é a literatura. Mas antes que se pergunte, saiba que não estou falando de filmes que se baseiam em textos literários, mas sim de filmes que têm a literatura como trama, enredo, motivo. Encontrando Forrester, um dos bons filmes a que assisti – e que ontem revi, in quarentena -, é uma dessas películas.
Agora imagine a amizade entre dois homens marcados por enormes diferenças as quais se anulam por conta de um elemento que os une: a literatura. Um é brilhante escritor de um livro só, interpretado por Sean Connery. O outro é um prodígio tanto da execução literária quanto da crítica (Jamal Wallace, interpretado por Robert Brown), um gênio que dirige a genialidade para o texto, seja criando-o, seja avaliando seus pormenores. Adicione aí dois ingredientes quase irônicos: o garoto genial divide seu amor entre a literatura e o basquetebol. O escritor descobre o amor por aquilo que faz através do garoto. Não, não é nada simples, embora pareça.
Há dois outros personagens no filme: o professor racista e inseguro – e justamente por isso pedante e legalista – interpretado com brilhantismo por F. Murray Abraham, e a própria literatura, personificada. Há uma ideia, errada a meu ver, de que o diretor, Gus Van Sant, repetiu a fórmula mestre/pupilo, já retratada em outra película também sua, Gênio Indomável. Por que considero erro? Porque em Encontrando Forrester, os papeis se invertem, e aquele que deveria ser o mestre – e ensinar, portanto -, torna-se pupilo, e compreende isso, no desfecho do filme, diante de um público que abominava, formado por críticos, professores e alunos – ou seja, leitores.
Revi o filme com aquele prazer que apenas a literatura e o cinema, combinados, proporcionam. Torci mais uma vez para que o professor racista fosse punido, para que o cativo escritor retomasse sua carreira, e para que o rapaz, para quem a literatura tem um poder libertador, finalmente entrasse no mundo das letras como escritor. Se você, que está lendo este texto, não assistiu ao filme, relaxe. Eu não contei, de fato, o final.