A vantagem de ser o chefão do blogue é a de se escrever o que se quer, sem interferências. Criei uma tag listas, na qual embuti o melhor do jazz, discos de Chico Buarque e, de quebra, o que li de fundamental. Listas divertem – eu já disse isso. Há alguns anos me chegou uma lista, proposta e arregimentada pela extinta revista Bravo!, que trazia as 100 canções essenciais da MPB. Uma outra revista, em tese mais especializada em música do que a citada Bravo!, a Rolling Stone, aventurou-se na espinhosa comarca das listas. Uso o adjetivo espinhosa não porque criar um grupo representativo disto ou daquilo seja algo que desagrade. Repito: até diverte. O termo liga-se mais ao fato de que toda lista é incompleta – sempre falta algo que o próprio autor da seleção entende como essencial. Pois bem. A Rolling Stone esclarece: “Em uma votação sem precedentes na imprensa nacional, a Rolling Stone Brasil convocou estudiosos, produtores e jornalistas para eleger os maiores discos da nossa música em todos os tempos.”
Fui ler a seleção proposta pelos estudiosos etc. Como listas expressam subjetividade, imaginei, antes da leitura, o quanto haveria de discordância entre o julgamento alheio e a minha opinião – que só não é totalmente anônima porque meus seis ou sete leitores não permitem tal condição. Eis aí a diversão a qual mencionei. Não me decepcionei com a lista. Ao contrário: embora houvesse alguma divergência – nada grave –, o teor seletivo trouxe-me certa alegria. Não vou citar aqui quais os discos selecionados, mas digo, em som alto, que dos dez primeiros títulos – na opinião dos estudiosos etc. –, nenhum deles sequer se liga ao rap, ao pagode, ao funk, ao sertanejo, à cantoria eclesiástica. Já é uma grande vantagem. E mais: dos títulos que mereceram menção e aplausos, 7 deles estão, cronologicamente, ligados aos anos 1970; 2, aos anos 1960, e 1 aos anos 1950. Todos no século passado, evidentemente. Os artistas – Caetano Veloso, Mutantes, João Gilberto, Chico Buarque, Milton Nascimento, Secos & Molhados, Jorge Ben, Novos Baianos – continuam, num certo sentido, na ativa, com exceção de Cartola, o grande compositor e sambista, que entra na 8ª posição com o disco cujo título traz seu nome em alto relevo. Cartola morreu há 38 anos.
Eis a questão: onde ficam os discos produzidos de 1980 até os dias de hoje? Vagam pelo limbo da seleção mais criteriosa, aquela que leva em conta o conteúdo adulto e que exige de seu consumidor um mínimo de sensibilidade artística? E quanto aos artistas que, atualmente, fazem tanto sucesso entre a garotada? Onde estão Tiaguinho, Emicida, Los Hermanos, Ivete Sangalo, Pe. Fábio de Melo, Jota Quest, Anitta, Pablo Vittar? Onde? No topo das paradas, com a agenda cheia, forrando a conta bancária (honestamente, é bom que se diga), falando exatamente aquilo que seu fã quer ouvir – e nunca contrariando-o, nunca exigindo dele que vá além, que descubra novos rumos, que se desdiga na primeira esquina.
Comentei sobre esta postagem – antes de escrevê-la – com um querido amigo. Ele me ouviu atentamente, e depois vociferou: “Não há canção ruim. O que existem são variações que podem ou não agradar a um determinado grupo.” Ouvi-o, também atentamente, e perguntei o que pergunto a meus seis ou sete leitores: existe má literatura, mau cinema, mau teatro, má pintura – e não existe má canção? Quer dizer, então, que em nome da indulgência universal, deve-se aceitar que uma composição limitada intelectual, harmônica, rítmica, melódica e textualmente seja considerada boa canção? O ideal qualitativo, que faz a arte ser o que é, deve ser desprezado? Em nome de quê? Em detrimento de quem? Ficam as perguntas enquanto ligo o som para ouvir Refazenda, de Gilberto Gil, ausente da lista sabe Deus por quê.