Bill Evans, Tóquio, Buenos Aires

Cá estou, de volta, após 8 dias de descanso. Retorno falando de um assunto de preferência: o jazz. Assisti, anteontem, na tevê fechada, a um documentário sobre Bill Evans. O narrador, cujo rosto não aparece (nem o nome nos créditos), afirmou que o pianista de New Jersey resume o jazz. Confesso que, ao escrever sobre os grandes discos de jazz ao vivo –, senti-me tentado a escrever sobre um outro disco deste extraordinário pianista. O documentário considera-o o maior do gênero. Evito esse tipo de superlatividade porque, a meu ver, ela é sempre arriscada. E também, claro, porque não me sinto capaz de, com a exatidão de um crítico musical – ou de um músico, seja diletante, seja profissional –, tecer comentários precisos sobre escalas, tons, semitons et cetera. Ouço música. Chego a escrever sobre o que ouço, mas minhas opiniões revelam, naturalmente, gosto pessoal. Pois bem: voltemos a Bill Evans.

Ouço, neste momento em que escrevo, o disco The Tokyo Concert, de 1973, com Marty Morell na bateria e Eddie Gómez no contrabaixo. Sem trocadilhos, é um show. Qualquer comentário acerca dos temas executados soará, no mínimo, repetitivo. Imagino que muito já se tenha escrito sobre Bill Evans e sobre essa específica obra, mas fica difícil não comentar, pelo menos, uma faixa: a quarta, My Romance, na qual Gómez, com o arco, parece ter uma conversa reservada com Deus. Enquanto fala – e o Supremo ouve, quieto –, Morell mostra por que os anjos devem trocar as cornetas por baquetas, tom-tons e vassourinhas. É, em minha opinião, o grande momento do disco. E Bill, nesta faixa, dá uma lição de economia musical, ao mesmo tempo em que expressa virtuosismo do início ao fim, no diálogo com os dois sidemen. Um diálogo que ele abre e fecha, mas sem a arrogância de ter a “última palavra”: Bill Evans sabe ouvir e sabe falar: a opinião alheia merece respeito.

Posso imaginar com que felicidade os músicos o acompanhavam, sabendo que tinham liberdade para improvisar – que é, de fato, a alma do jazz. My Romance é uma composição de Richard Rodgers e Lorenz Hart, famosos por terem composto clássicos como My Funny Valentine e The Lady is a Tramp e por serem os compositores preferidos de cantoras de cabaré. Talvez o autor do texto documental tenha razão quanto a Bill Evans ser o maior. Quando, porém, penso nisso, sou assombrado pela velocidade de Earl Hines e pelo lirismo de Phineas Newborn. Em tempo: para os fãs de bateria, duvido que sejam capazes de ouvir, sem reverência, o solo de Marty Morell em Gloria’s Step. Uma oportunidade: o álbum inteiro está AQUI.

Só para constar: passei seis dias em Buenos Aires, a capital portenha. Numa das idas a El Ateneu, uma das melhores livrarias do mundo, constatei que vários – uns quarenta, ao menos – discos de Bill Evans eram vendidos em formato vinil. Algo que me assombrou tanto quanto me deixou esperançoso. Bill merece.

About the author

Francisco Grijó

Francisco Grijó, capixaba, escritor, professor de Literatura Brasileira. Pai de 4 filhas.

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