Imagino-me numa armadilha: escolher quem foi o melhor saxofonista com quem Miles Davis trabalhou. Charlie Parker seria a resposta óbvia: o próprio Miles diz isso em sua biografia, mas com Bird a coisa se deu ao avesso do que quero perguntar. Ou seja: Miles foi sideman de Parker. Quero saber quem foi o melhor saxofonista dos muitos sidemen do grande trompetista. A lista é boa: John Coltrane, Wayne Shorter, George Coleman, Cannonball Adderlley, Bill Evans, Joe Henderson, Sam Rivers, Eddie Lockjaw Davis, Dave Liebman, Sonny Rollins, Stan Getz, Sonny Stitt, Lee Konitz, Gerry Mulligan. Há mais, mas a memória me falha. Bem, os citados John Coltrane, Sonny Rollins, Stan Getz e Gerry Mulligan não contam. São tão absolutos quanto Miles, criadores únicos, líderes por natureza e dever.
E os que “sobram”? Desses, para mim, o que melhor acompanhou Miles, o que melhor fraseou com ele, capturando a genialidade do mestre, foi Hank Mobley, cujo sopro e performance conheci no disco ao lado, ao vivo, selo Columbia. Mas não se engane: Hank só trabalhou com Miles em estúdio num disco – e que disco! -: Someday My Prince Will Come, de 1961. Ao vivo, além do citado exemplo do Carnegie Hall, há outro discaço: In Person: Friday and Saturday Nights at the Blackhawk. Nesses discos é possível ouvir a precisão melódica que fez o crítico Leonard Feather afirmar que Hank Mobley era o campeão peso médio dos sax tenores.
Veja só! Apenas um disco em estúdio pode ser parâmetro para considerar um som superlativo? Pode. Claro que é um juízo subjetivo, uma visão particular sobre o desempenho de um artista. Seria muito mais fácil, e possivelmente mais efetivo, se eu avaliasse performances de Wayne Shorter, tenor presente em pelo menos cinco álbuns de estúdio e um ao vivo. O som musculoso de Hank Mobley, herança do hard bop que ele tanto amou e praticou, combinou muito adequadamente com o fraseado cortante de Miles (ao menos no disco ao vivo), algo um tanto distante do jazz modal de um Kind of Blue, por exemplo. É só ouvir AQUI.
Hank gravou 35 discos como líder – 25 deles (em 16 anos) pela Blue Note, a gravadora que lhe deu liberdade para criar e para escolher os sidemen. Foi um criador quase tão prolífico quanto John Coltrane, e muitos críticos o consideravam tão inovador melodicamente quanto seu ídolo, Sonny Rollins. Esta postagem, entretanto, é para falar de um Hank Mobley específico, sideman de Miles Davis, aquele que foi além de um acompanhante. Para mim, norteou muita coisa que Miles fez, mesmo que durante pouco tempo. Enfim, não há necessidade de extensão temporal para que a genialidade se expresse. AQUI, um apanhado de duas horas e meia de grande som. Do grande Hank Mobley.