Clarice Lispector é um quindim na boca da crítica. Um pastel de Belém, um yoku moku, um baklava. É querida – não sem justiça – por um sem-número de acadêmicos que consomem suas palavras como se elas tivessem brotado do Evangelho. Enfim, há quem discorde. Eu, por exemplo. Reconheço que essa senhora sabia escrever, respeito-a como criadora, mas, para mim, é chatinha. Faltam-lhe bom humor, sarcasmo, ironia. É séria demais, atendo-se a emaranhados psicológicos e fluxos de consciência um tanto gratuitos. Claro que é apenas uma opinião. Como diz uma amiga evangélica, ao saber que será repreendida: “Lá vem cajado!”
Apesar de tudo, aprecio bastante um de seus livros (na verdade não é seu, mas organizado para que fosse) que, distante da ficção, mostram uma outra Clarice: a jornalista, a entrevistadora, a sensível e certeira inquiridora. Ao dizer sensível, quero afirmar, e afirmo, que a célebre escritora conseguiu, em conversas pouco protocolares, obter de seu entrevistado(a) aquilo que existe de mais interior, de mais suavemente escondido, aquilo de que jornalistas do senso comum passam longe. As entrevistas, publicadas pela antiga revista Manchete, foram feitas em pouco menos de 1 ano e meio.
São 42 entrevistados: gente da literatura, da música, das artes (cênicas e plásticas) e do esporte. Engana-se quem imagina que ela se sinta mais à vontade com seus pares – escritores, poetas e dramaturgos. As melhores entrevistas, a meu ver, foram feitas com o escultor Mário Cravo, com a atriz Tônia Carrero e com o pintor Iberê Camargo. Claro que isso é apenas opinião. Há pérolas proferidas por Antônio Callado, por Jece Valadão (num breve papo), pelo sempre ótimo cronista José Carlos de Oliveira. E por aí vai.
Há um certo romantismo nas questões levantadas por Clarice. Algo de quase ingênuo, de quase simplório, mas que obtém respostas singulares: algumas delas surpreendentes, como quando pergunta ao escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues sobre sentir-se realizado como escritor. A resposta: “Eu me considero inversamente um fracassado. Não me realizei e nem acho que alguém se realize. O único sujeito realizado é o Napoleão de hospício, que não tem Waterloo nem Santa Helena.” É isso aí, Nelson! Obrigado, Mme. Lispector!