Sim, a voz de Nara Leão era pequena – e daí? Alguém cantava como ela, como se sussurrasse ao ouvido despreocupado de seu ouvinte? Sim, era limitada no alcance, mas expressava-se como ninguém em qualquer gênero musical. Foi do rock ao frevo, passando pelo baião, pela valsa, pela MPB, pelo blues. Foi tropicalista, foi bossanovista, foi a melhor intérprete feminina das canções de Chico Buarque; fez o que ninguém conseguiu: cantar alguns temas de Roberto Carlos melhor do que ele mesmo, o dono da bola.
Li a biografia de Nara, escrita por Sérgio Cabral. É um texto esclarecedor em muitos pontos, embora o autor tenha sido jornalista demais ao escrever. Foi protocolar, a meu ver. Faltou-lhe um pouco de Ruy Castro na construção das personagem que nos apresentou. Faltou um pouco de new journalism, acho. A técnica do romance teria feito bem ao texto porque Nara merecia que sua jornada fosse assim celebrada. Bem, é apenas uma opinião.
O primeiro disco de Nara que comprei foi Com Açúcar Com Afeto, em 1981, no qual ela interpretava canções de Chico Buarque. Por conta da abertura política, foi possível ouvir a gravação (duo com o autor) de Vence na Vida Quem Diz Sim, originalmente na peça proibida Calabar – O Elogio da Traição, e aquela que, também em dueto com o próprio Chico, iria se tornar um clássico: Dueto. A propósito, AQUI, uma raridade. Para quem gosta de Nara e de Chico, é um manjar.
Nara Leão morreu há 32 anos – num dia 7 de junho, o mesmo dia em que Paulo Leminski nos deixou, por conta da cirrose que o acompanhou como uma sombra. Nara não teve melhor sorte: um tumor no cérebro venceu-a por pontos, até levá-la de forma definitiva. O que ficou? Tudo o que dela necessitamos: voz, suingue, candura, sofisticação, ternura, inquietude, talento, coragem, versatilidade. E muito mais, porque assim era ela: infinita e eterna.