O Ruy Castro mais recente

Você consegue imaginar Cleópatra, Xuxa, Lilian Helmann e Chita – a macaca do Tarzã – juntas, no mesmo espaço? Difícil, não? Na verdade, impossível, porque Chita não era macaca – mas macaco. Sim, era macho, mas quem se importa? Aliás, a bem da verdade, quem ainda se lembra desse ménage Tarzã/Jane/Chita?  E quem ousaria reunir João Gilberto, Gay Talese, o papagaio Zé Carioca, Bezerra da Silva e o casal Pepeu Gomes e Baby Consuelo (hoje, Baby do Brasil)? Há uma resposta para as 3 perguntas e ela se configura num livro e no seu autor: Trêfego e peralta, do jornalista Ruy Castro, livro cujo subtítulo é 50 textos deliciosamente incorretos.

O número 50 é intencional: corresponde a 50 anos de vida jornalística, dedicada a escrever de forma tão clara quanto irônica, marcada por um vasto cabedal informativo cuja exposição não é hermética nem sugere pedantismo. Está certo: Ruy Castro não escreve para qualquer um. É inteligente e seu texto merece ser lido com inteligência. Se você, leitor, compreende o referencial utilizado, ótimo. Seus temas são variados: comportamento, cultura, quotidiano, política, arte (música, literatura, cinema) e por aí vai. O subtítulo é um fio de esperança, un plat de résistance. Em tempos sombrios de correção política, carregados de tirania, nada melhor que uma reunião de textos que dinamita o bom comportamento.

Li de uma tacada. Os textos são saborosos e tal sabor se mantém há muito tempo. A organizadora, Heloísa Seixas, casada com o autor, organizou os papeis – os vários artigos sobre assuntos também vários, desde quando o autor deu os primeiros passos no ofício. Fez o mesmo com Tempestade de Ritmos (sobre jazz e música popular) e Um Filme é para Sempre (sobre cinema), ambos de 2007. Ruy Castro, como se sabe, consolidou-se como biógrafo. Seu texto, com dois pés no new journalism de Lillian Ross, Norman Mailer e Tom Wolfe, é ágil, certeiro e, no caso deste livro – ainda bem! -, pulsando incorreções políticas. As entrevistas com Ibrahim Sued e com Millor Fernandes são antológicas. Os textos (quase ensaios) sobre o Pato Donald, sobre o Solar da Fossa, sobre o Tropicalismo e sobre os felinos no cinema são de admirar.

Resultado de imagem para saudades do século XX ruy castroO que li dele? Chega de Saudade, A Onda que se ergueu no Mar (ambos sobre a Bossa Nova), Saudades do Século Vinte (minibiografias sobre figuras essenciais, ótimo), as biografias de Garrincha e de Nelson Rodrigues – com a qual colaborei, mesmo que timidamente -, o delicioso Ela é Carioca – sobre Ipanema -, os citados Tempestade de Ritmos e Um Filme é para Sempre, e este livro, que sustenta a postagem. Não é muita coisa, eu sei, mas o suficiente para atestar que Ruy Castro está entre os melhores em sua especialidade. Se não é o melhor, ao menos é o mais trêfego e o mais peralta.

 

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Francisco Grijó

Francisco Grijó, capixaba, escritor, professor de Literatura Brasileira. Pai de 4 filhas.

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