Jorge Amado teria feito, amanhã, 10 de agosto, 110 anos. É o grande contador de histórias deste país, a despeito de repetir-se em cenário – sua amada Bahia – ou de temática: os vilipendiados por uma sociedade branca, exploradora e desgraçadamente capitalista. Sua verve comunista, marcada por uma abissal indignação quanto às desigualdades de toda ordem, cedia espaço para a sensualidade feminina, para os exotismos do interior baiano, para o candomblé, para a cultura do cacau, para os desajustados sociais. Jorge Amado tinha imaginação, e partilhou-a sem qualquer limite com o leitor litorâneo e localizado, geograficamente, abaixo da fronteira baiana.
Li vários livros de Jorge Amado. Desde os preferidos por professores secundaristas – quando eu era aluno -, até aqueles considerados menos populares. Meu preferido, até hoje, é Tenda dos Milagres, um romance notável cheio de sensualidade e discussão acerca da mestiçagem brasileira. Citei-o, anteriormente. Seu herói, Pedro Archanjo é descrito como um Ojuobá (Olhos de Xangô). Jorge não era fácil: unir um arcanjo a uma entidade africana é adiantar o tema principal da obra. Isso sem contar do particular atletismo da personagem central que, lá pelas tantas, precisa vencer o capeta num ringue no mínimo singular: na cama.
Li Os Pastores da Noite, Os Velhos Marinheiros, O País do Carnaval, Jubiabá, Cacau, Suor, Capitães da Areia e, claro, encantei-me com Dona Flor, com Gabriela e com Tieta. Fiquei devendo – mas ainda pagarei a dívida – uma visita a Teresa Batista. Há uns 15 anos adquiri Navegação de Cabotagem, uma obra memorial cheia de pequenas boas histórias: situações, encontros, opiniões, lugares visitados, tributo aos amigos etc. Leio-a vagarosamente, contando as gotas. Quando fui empossado na Academia Espírito-santense de Letras, um amigo telefonou-me e perguntou, não sem certa ironia, se eu havia lido Farda Fardão Camisola de Dormir. Não, não li – ainda.
A Universidade, até onde sei, não aprecia muito Jorge Amado, já que ele não possui as ousadias transgressoras da modernidade, não é dado a novidades estruturais na narrativa, não se comunica muito com os europeus ou com norte-americanos de sua época. Seu diálogo é com seus pares nordestinos: José Lins, Graciliano, José Américo, Rachel. Escreveu para o leitor, queria-o cúmplice da história, quase um participante dela. Percebeu que aquele que lê precisa de atenção e de reverência. Isso não significa usar linguagem simplória ou temática banal. Jorge Amado soube fazer literatura de qualidade para ser lida por todos. Todos, mesmo.