Escrevi, há cinco anos, sobre Kurt Vonnegut ser um humanista. Clique AQUI e você poderá ler. Mantenho minha obsessão por seus livros, e acabo de ler uma edição em português de 15 discursos de formatura proferidos por ele entre 1978 e 2004. Não é para menos: o sucesso estrondoso de Matadouro 5, publicado em 1969, tornou Vonnegut um herói para a juventude. É um livro humanista, pleno de sarcasmo e crítica à opressão, travestido de ficção científica. Quem assim o classifica não compreendeu nada. Pois o humanismo de Kurt Vonnegut se mantém em quase todas as suas obras – e nesses discursos nada muda.
O título da reunião de discursos é O que tem de mais lindo do que isso? Bem, não quero ser pedante, mas o título em inglês é bem mais interessante: Is this isn’t nice, what is? Enfim, traduções à parte, Vonnegut viveu e morreu um humanista, e esses discursos provam isso. Um humanista é o sujeito que se preocupa com o próximo, com a vida humana, espalha a generosidade, busca a dignidade, compadece-se com o sofrimento alheio e tenta, ao máximo, tornar este mundo melhor. Parece piegas? Não, não é.
Claro que a veia irônica, por vezes (inúmeras) bem-humorada, está presente. Não há como abandonar a própria característica, principalmente quando ela define quem dela faz uso. Em geral, essa verve cheia de humor é tão cáustica quanto necessária, afinal é justamente este mundo e seus habitantes que tornam a existência algo insuportável. Vonnegut tem uma mensagem aos formandos: mudem este planeta, ou seremos vítimas de nós mesmos.
Apesar de humanista, não crê muito no ser humano. Lá pelas tantas, falando aos formandos da Eastern Washington University, na cidade de Spokane, em Washington, Vonnegut diz: “Querem saber pelo que rezo todas as noites? Eu me ponho sobre meus velhos joelhos, no meu catre perto do quartinho do carvão, e rezo com todo o meu coração: ‘A quem interessar possa: poderia, por favor, botar minha alma dentro de uma lontra-marinha ou de uma coruja-das-torres?’ Eu preferiria ser uma lontra-marinha a ser um ser humano, mesmo que houvesse mais um vazamento de óleo.” O itálico é por minha conta. Valeu, Kurt Vonnegut, mais uma vez.