Mulheres #1:Marilyn, 55 anos depois

Há 55 anos Marilyn Monroe morreu. Possivelmente o maior ícone feminino do século que passou – e um dos mais relevantes da História. Quem rivaliza com ela? Cleópatra, Lucrecia Borgia, Maria Madalena, Joana D’Arc.? Calma, não falo de relevância política, social, humana. Falo de popularidade, e muita gente pode afirmar que o cinema, sendo ele o habitat de Marilyn, tenha facilitado a difusão de sua imagem. Claro que facilitou – e daí? Continua sendo um ícone incontestável. Não tinha tantos recursos dramáticos, é bem verdade, mas não era esse seu papel. Não se ia ao cinema para ver e avaliar a capacidade dramática de Marilyn Monroe, mas o que ela possuía de transbordante e fundamental: charme, beleza, sensualidade, tesão. Quer saber, sinceramente? Sendo ela quem era, por que se preocupar com atividades secundárias como atuar e decorar falas?

Billy Wilder, diretor com quem trabalhou na melhor comédia de todos os tempos, Quanto Mais Quente Melhor, em 1959, dizia que fazer Marilyn atuar era como extrair um dente. Não devia ser fácil mesmo, já que a moça possivelmente sabia que sua canastrice não interferia nas reações que provocava em qualquer ser humano com quem convivesse – homens e mulheres. Era um vulcão eruptivo 24 horas por dia, e essa afirmação pode ser interpretada tanto positiva quanto negativamente. O craque do beisebol Joe DiMaggio e o escritor Arthur Miller, dois de seus maridos – cada um a seu tempo, evidentemente -, concordavam nesse ponto. Não foram capazes de controlá-la, de lhe colocar moldes. Tentaram amansar seu comportamento e, ainda bem, foram absolutamente incompetentes na empreitada.

Dizem que se envolveu com homens errados, algo que lhe trouxe consequências tenebrosas: desde perseguição e tortura psicológica a frustrações de ordem sexual e afetiva. A imprensa, como acontece a qualquer estrela, esperava pelo deslize, e amplificava-o de tal sorte que não havia como questionar a veracidade do exagero. Marilyn Monroe sofreu com isso, e não soube se defender. Não havia, também, quem a defendesse, quem fosse capaz de enxergar o ser humano frágil vestido com a carapaça da deusa imortal, bela como se desenhada.

55 anos depois, Marilyn Monroe continua por aí. Comenta-se sobre ela como se ainda estivesse entre aqueles que nem a conheceram, que não assistiram a seus filmes, que não sabem que o pecado mora ao lado, que ignoram a preferência dos homens pelas louras ou que nunca ouviram dizer que os diamantes são os melhores amigos das mulheres. Marilyn ficou para sempre, no imaginário, na fantasia, nos filmes que se repetem à exaustão – não à exaustão daqueles que compreendem o que significam o mito e sua perpetuação. 55 anos depois, mesmo tendo minha idade (meu nascimento se deu quatro meses antes de sua morte), Marilyn Monroe continua sendo quem nunca deixou de ser.

Mais ausentes: Arreola, Brautigan

Juan José Arreoladeu as caras por aqui, no Ipsis. Mas por que retorno a ele? Pelo mesmo motivo que me fez escrever sobre Donald Barthelme, há poucos dias: a ignorância das editoras brasileiras em relação a alguns autores essenciais. Essenciais a quem? Eis a questão. É difícil afirmar que um determinado autor é mais representativo do que outro, exceto quando é uma assertiva óbvia. Tolstoi é mais importante que Rubem Fonseca? Sim. E assim por diante. Mas não é esse o ponto. A questão reside na dúvida: por que Juan José Arreola, assim como Barthelme (e outros), é praticamente autor inédito no Brasil?

O advérbio em itálico se faz necessário, já que em 1969 veio a público a edição de Confabulário Total, uma reunião de seus contos até 1961. Depois disso, até onde sei, somente em 2015, uma edição menorizada desta obra-prima chega aos olhos dos brasileiros. Arreola, mexicano, tão importante quanto os conterrâneos ilustres e justificadamente badalados Juan Rulfo e Carlos Fuentes, não escreveu muito literatura – e nem precisava mais. Já havia escrito o suficiente para eternizá-lo. Tem uma novela (La Feria, 1963) e Palíndroma, 1971. Não li nenhum dos dois – ainda. Os livros Bestiário, Confabulário, Vária Invenção e Prosódia estão – ainda bem! – em Confabulário Total, o que faz deste livro uma avis rara.

Outra figura ausente nas traduções para o português é Richard Brautigan, ícone contracultural, escritor de primeira – mas não de fácil leitura (não foi, para mim). Para não dizer que nada existe dele editado no Brasil, há uma edição de Pescar Truta na América feita pelo saudoso José J. Veiga, ed. Marco Zero, 1991. Diferentemente da prosa de Arreola, algo poético e que beira o real-maravilhoso, a prosa de Brautigan assemelha-se a um pesadelo, um emaranhado de imagens conectadas de forma aparentemente aleatória, mas só aparentemente. É uma aventura intelectual e emotiva lê-lo. Um convite a tirar os pés do chão e sair num voo cego, como ele mesmo faz. Não, meu sétimo leitor, não estou exagerando. Tenho dele A Confederate General from Big Sur, Dreaming of Babylon e o ótimo The Hawkline Monster, um faroeste contemporâneo. Quer saber? Já pensei em me aventurar na tradução, mas desisti. Não me sinto apto.

Richard Brautigan suicidou-se aos 49 anos. Não aguentou a mudança de temperatura: se nos anos 1960 foi aclamado como um deus literário por uma juventude transgressora e pacifista, na metade da década seguinte experimentou o ostracismo, foi deixado de lado, viu a fama expirar. Entupiu-se de álcool e, vivendo sozinho, após uma série de casamentos fracassados, atirou contra a própria cabeça. Foi encontrado um mês depois, o corpo decomposto, algo bastante contraditório com sua prosa, quase zen budista, alegre, adolescente (no bom sentido), mas seca como um parágrafo de Hemingway. É uma ausência sentida, em todos os sentidos. Ei-lo:

 

 

P. Q. P. Bach, um site

Há uma anedota que se mantém durante algumas gerações de interessados em música erudita (ou clássica). Seguinte: Beethoven , o Grande, morre e, evidentemente, vai para o céu. Lá, diante de São Pedro, o Porteiro Celestial, o velho Ludwig lhe pergunta sobre Bach, Johann Sebastian, esse mesmo, o mais importante compositor da música. São Pedro, num dia de maus fígados, diz-lhe, um tanto rabugento, para procurar por si mesmo. Beethoven perscruta o céu durante horas, procura o Mestre em cada canto, em cada alameda, escadaria, rua, estabelecimento. Não encontra. Pronto para desistir, enxerga, ao longe, J. S. Bach, a quem tanto queria conhecer, montando serelepe uma bicicleta, rindo como um livre e leve pré-adolescente despreocupado. Beethoven, emocionado, aos pulos, grita a São Pedro: “Veja! Lá está Bach! Achei-o, achei-o!” O Porteiro, entretanto, adverte-o: “Fique quieto, rapaz, ssshhhh! Aquele é Deus! O problema é que Ele pensa que é Bach!”

Pois bem, a anedota não é ruim, penso eu, e denota bem a importância do velho Kantor, a maior personalidade da Arte. Não, não vou repetir o que já se disse – e ainda se diz e muito se dirá – sobre esse senhor que, ontem, fez 267 anos de morto. Na verdade, essa postagem vai além disso. É uma divulgação dirigida a quem aprecia música erudita. Ou clássica, como querem muitos. Não sei se algum de meus poucos leitores têm interesse no assunto. Se têm, aí vai a grande dica: NESTE SITE é possível ter contato com a excelente música – sem contar as postagens, carregadas de ironia e informação precisa, fundamental. O próprio nome do site já é um achado. Frequento-o faz alguns anos. Vale checar. Divirtam-se!

34 anos sem Buñuel

No filme Meia-Noite em Paris, de Woody Allen, há algumas cenas em que a personagem Gil Pender, vivida por Owen Wilson, encontra o cineasta Luis Buñuel. Se você viu o filme, sabe que a personagem retorna, sem qualquer explicação – ainda bem! – no tempo parisiense (anos 1920) e lá mantém contato com o que se chama a Geração Perdida: vários artistas estrangeiros que foram viver na capital francesa (Hemingway, Picasso, Scott Fitzgerald, Matisse, Dalí, Gertrude Stein, T. S. Eliot, Cole Porter). Numa das cenas dos citados encontros com Buñuel, Gil Pender lhe dá a ideia para um de seus grandes filmes: O Anjo Exterminador, um clássico do Surrealismo, um soco no estômago da aristocracia ocidental.  Mas por que estou falando em Luis Buñuel?

Porque hoje faz 34 anos que esse gênio do cinema morreu – e porque O Anjo Exterminador é, dentre outras obras-primas desse senhor, meu filme preferido. AQUI, um trecho. Buñuel não é uma unanimidade – ao menos não para mim. Em bom vernáculo: não aprecio todos os seus filmes (a que assisti), mas isso é irrelevante, porque se está diante de um diretor que não segue qualquer padrão, a não ser aquela estética que ele se atribui numa determinada película, num específico momento. Talvez esse seja seu grande patrimônio, essa multiplicidade de formas, essa versatilidade de conteúdos.

Dia desses, curtindo o recesso escolar, revi Tristana e A Bela da Tarde, numa tacada, em devedêConfesso que Catherine Deneuve foi o grande motivo de eu estar diante da tevê, tentando me lembrar de como reagi a meu début diante desses filmes, de como isso foi algo epifânico porque me fez querer assistir a tudo o que o espanhol havia produzido, sem exceção. Daí, ao me deparar com a obra-prima, com o absurdo/possível do filme O Anjo Exterminador, com toda a simbologia religiosa do cordeiro a ser sacrificado, com a condição frágil de uma aristocracia em apuros, com o desespero pela sobrevivência (algo que equaliza os homens), com a ebulição instintiva que precisa apenas de um empurrãozinho para se manifestar, tornei-me aquilo que chamam popularmente de fã.

Li Meu Último Suspiro, sua autobiografia, logo que foi editado no Brasil, pela Nova Fronteira, nos anos 1980. Um livro divertido, embora o leitor que aprecie (e tenha visto) alguns filmes de Buñuel compreenda melhor o que ele afirma e o que pensa – principalmente sobre si mesmo. Creio que a ideia de um último suspiro seja algo reflexivo, que se volta para quem expira. Uma pena realmente que Luis Buñuel tenha feito isso conosco. E com o cinema, principalmente.

Barthelme, finalmente?

Em 1984 ganhei um livro intitulado Come Back, Dr. Caligari. Um querido amigo, psiquiatra e escritor (excelente em ambas as atribuições), presenteou-me. Li sem desconfiança, afinal por que um amigo capixaba me presentearia como um grego? As portas se abriram de um lado a outro: Donald Barthelme foi apresentado a mim e eu me apresentei a ele, como se dissesse: de agora em diante, estaremos lado a lado. Até então eu não sabia se havia ou não uma tradução para esta língua periférica, o português. Dois anos depois, na livraria São José, na rua do Carmo, capital carioca, encontrei Vida de Cidade (ilustração à esquerda de quem olha), edição de 1975, da Artenova. Não é grande tradução, mas era o que existia. Sim, até então era único livro de Barthelme traduzido.

Não tive facilidades para ler Come Back, Dr. Caligari. Barthelme está longe de ser um escritor fácil – talvez por isso não tenha muitos leitores, embora seu inglês seja aparentemente claro. A ideia de um livro seu tornar-se best-seller é tão provável quanto um pai conversar com os filhos, após sua morte. Mas eis que é exatamente isso (e muito, muito mais) o que acontece no segundo livro traduzido deste autor extraordinariamente sarcástico, irônico, debochado, crítico e divertidíssimo: O Pai Morto. Um pai, gigantesco como uma criatura rabelaisiana, ditando um manual de convivência (e não somente isso) para os filhos, que o enterrarão. Sofismas, anedotas, ironias, ensinamentos, reflexões – tudo isso temperado por períodos curtos, enxutos, pois não há por que falar mais que o necessário.

Donald Barthelme, ao lado de Joseph Heller, Richard Brautigan, Thomas Pynchon e Kurt Vonnegut, é um mestre do absurdo. A aventura quotidiana não passa de um flash surreal, um emaranhado de situações que se tornam verossímeis porque não somos capazes de racionalizar ao lê-lo. Em um de seus livros, King Kong é anfitrião numa festa sem louras; em outro, os anjos entram em polvorosa por conta da morte de Deus. Num outro, Branca de Neve é uma jovem temperamental, furiosa, enjoadinha. É uma festa da qual participamos independentemente de nossa vontade, títeres desse gênio das palavras.

A tradução de Vida de Cidade não é grande coisa, como eu disse. Já o trabalho em O Pai Morto, mais criterioso, com mais recursos, é um convite tentador àqueles que nunca ouviram falar nesse grande autor, morto há 28 anos. Aos que já leram alguma de suas obras, é mais tentador ainda. Por falar nisso, hoje é dia 25 de julho, Dia Nacional do Escritor. É uma data brasileira, porque o Dia Mundial do Escritor é em outubro, 13. Mas vale assim mesmo, Donald!

 

Arte, romance

Tenho lido bastante sobre arte contemporânea. Meu próximo romance, em andamento, e com o título provisório de Fama Volat, versa sobre o assunto. Mais não falo – até porque a quem interessaria? Pois bem: o livro à esquerda, cujo título se refere a uma específica obra de arte (sim, um tubarão de verdade) e seu valor de mercado, expõe, de forma curiosa e contundente, os motivos que levam uma determinada obra a ser avaliada de forma exponencial – em termos econômicos, evidentemente. Sabe-se, claro, que a unicidade da obra artística – um quadro, uma escultura, um mural etc. – pode ser uma catapulta monetária. Isso não é novidade e também não é suficiente para que tal catapulta faça seu trabalho.

O papel dos marchands, dos colecionadores e da imprensa (essa, inacreditavelmente com menos poder) faz de uma obra uma mina de ouro. Aquilo que muitos nunca considerariam arte é visto como algo que pode ser avaliado em alguns milhões de dólares. Mas como? Quando um artista deixa de ser um artista e se transforma numa marca. Eis a questão. Passa-se a consumir a marca e não o produto. O livro explica para mim o que provavelmente os indivíduos envolvidos nesse meio sabem de salteado: a obra de arte é, acima de tudo, um investimento. Don Thompson, o autor – ele também um colecionador -, expõe o papel quase mafioso dos colecionadores e dos leiloeiros. Não se iluda: é um mundo desconhecido para a maioria das pessoas que lê este texto. Daí o livro ser interessante, como um conto de fadas verossímil – ou mais que isso: verdadeiro.

E o tubarão? Seu autor/artista chama-se Damien Hirst e a obra tem um sugestivo título: The Physical Impossibility of Death in the Mind of Someone Living. Algo como A Impossibilidade Física da Morte na Mente de Alguém Vivo. Um título pra lá de publicitário, instigante, representando um mercado imune a crises econômicas, um mercado que vive da especulação e não do prazer estético que uma obra de arte pode proporcionar. Nenhuma crítica nisso, deixo claro. Cada um se relaciona com a arte como quer (e como pode). Há um documentário interessantíssimo (e boicotado por muitos canais de tevê fechada) intitulado The Mona Lisa Curse. Nele, Robert Hughes, o mais renomado crítico de arte do mundo, critica o citado mercado e surra inclementemente muitos artistas contemporâneos, tão fabricados quanto uma caixa de fósforos. Interessantíssimo mesmo, pode apostar.

O tubarão, como eu disse, é criação de Damien Hirst. Ei-lo, abaixo, com seu tubarão, ao fundo. Só para constar: o bicho foi condicionado numa solução de formol, mas, com o tempo de exposição na galeria, a coisa foi-se deteriorando. Como vendê-lo? Qual a solução? Damien não titubeou: por telefone, fez um anúncio em várias agências de correio do litoral australiano, as quais espalharam cartazes: Precisa-se de Tubarão. Simples. Conseguiu mais alguns exemplares, mas inquietou os críticos, que afirmaram: se não é o tubarão original, a obra passa a ser outra. Sim, leva-se isso a sério.

Carlos Santana, 70

 

O mexicano Carlos Santana faz 70 anos, hoje, dia 20 de julho. A revista Rolling Stone classificou-o entre os 20 melhores guitarristas de todas as épocas. Listas, embora divertidas, são quase sempre discutíveis. Incluo aí as minhas. Colocar, todavia, Keith Richards e George Harrison à frente de Santana ultrapassa a seara da diversão e estabelece seu contrário: é quase melancólico ver este grande músico fincado numa posição que não lhe faz justiça – e abaixo de guitarristas que, a despeito de fazerem bem o dever de casa, não possuem o quilate do mexicano.

Certo, certo. Uma postagem como essa deve servir apenas a um propósito: as congratulações a esse espetacular artista, que a mim foi apresentado através de Abraxas, um discaço cujo exemplar em vinil mantenho na memória e na prateleira. Mas o que faz de Santana um guitarrista tão especial? Creio que cada um tenha seus motivos, mas o que me impressiona em Santana é o mesmo que estatela ao ouvir Miles Davis: a fusão de gêneros e, principalmente, o equilíbrio entre eles. O jazz, o funk, o blues, o rock, os ritmos cubanos, africanos, a herança mexicana – tudo se misturando numa sopa que até os puristas mais ortodoxos são capazes de provar. E gostar, porque tal sopa é saborosíssima.

Mas meu disco preferido não é obra de estúdio – e sim ao vivo, ao lado de Buddy Miles, ex-baterista da banda de Jimi Hendrix. Na cratera do vulcão Diamond Head, no Havaí, durante o Sunshine Festival, em 1972. É um som absoluto, musculoso, lisérgico, com a força sonora que faz jus ao local onde é produzida. É como lava fumegante descendo sobre a cabeça de quem ouve. Não, não estou exagerando. Mas não espere a barulheira nem os exibicionismos do heavy metal. É som de verdade, e com destaque para a pegada funky em Evil Ways, ponto altíssimo de um disco de cumes.

Na web há inúmeros shows completos de Carlos Santana. Se tiver interesse, é só clicar AQUI, AQUI e AQUI. Este último, em companhia de John McLaughlin. Eis a homenagem aos 70 anos desse grande artista.

 

 

 

Brubeck & a Bossa

Os puristas dirão que exagero, mas insisto em uma afirmação há 30 anos: o quarteto de Dave Brubeck (ele próprio, Joe Morello, Gene Wright e Paul Desmond) está entre as grandes formações do gênero em qualquer época. Para muitos, os vários grupos encabeçados por Miles Davis, nas décadas 1950/60, são o que há de melhor. Para outros, o Modern Jazz Quartet sintetiza o que é verdadeiramente o jazz, sem as contaminações de praxe, sem os desvios de rumo. Fala-se em Coltrane, Roach-Brown, Mulligan-Baker. E há, como se sabe, inúmeros outros quartetos e quintetos que tornaram o gênero algo essencial à música como um todo. Mas este texto diz respeito a Dave Brubeck e sua turma, e mais especificamente a um disco, Bossa Nova USA.

Este disco, a despeito de ser excelente, não traz temas específicos da Bossa Nova, ou aquilo que os norte-americanos chamavam, e ainda chamam, de jazz samba. Pouco, a não ser o título, lembra, de fato, o gênero que consagrou João Gilberto e Antonio Carlos Jobim, e que elevou a música brasileira a patamares nunca imaginados na indústria fonográfica mundial. Com a popularização da BN nos EUA, muitos músicos passaram a cumprir a obrigatoriedade: ao menos um disco deveria ter algo do gênero brasileiro, cool e jazzístico. Não deu outra. Eis um exemplo, embora sem a exatidão do que se fazia no Brasil.

Não sei se quem lê conhece Joe Morello, um dos grandes bateristas do jazz. Um dos pontos altos da Bossa Nova está na sua pegada percussiva, um tanto delicada, mas advinda do samba. Milton Banana era um craque nessa pegada. Edison Machado, outro. Joe Morello, excepcional instrumentista, não domina o suingue peculiar dos bateristas do gênero. BN é coisa doméstica, praticada por quem está acostumado ao samba, um balanço muito especial, típico. É só ouvir a gravação AQUI para perceber. Ele quase consegue, em Vento Fresco, e Coração Sensível mas falta algo. Não só a delicadeza rítmica e a complexidade harmônica fazem a Bossa Nova ganhar vida.

É sempre bom lembrar, entretanto, que o disco em questão é uma obra-prima, com execuções de Paul Desmond que podem estar presentes numa antologia mundial do sax alto. Sem contar o próprio Brubeck, inspirado, reverenciando, a seu modo, o gênero brasileiro. Quanto a Gene Wright, bem, é um sideman desejado por todos. Se tiver tempo, é só seguir os links (The Trolley Song, Theme for June, Irmao Amigo, Cantiga Nova e Lamento). Ouça com atenção, porque o jazz merece. E o quarteto de Brubeck também.

 

 

 

 

 

 

Os Olhos de Ansel Adams

Não sei se meus seis ou sete leitores já ouviram falar de Ansel Adams. Se gostam de fotografias, certamente sim. Por conta da Segunda Guerra, com medo de ataques aéreos que certamente vilipendiariam o patrimônio (natural ou não) norte-americano, o National Park Service convocou o fotógrafo, às pressas, para imortalizar tal patrimônio – algo que ele fez, em momentos interruptos, durante quase 3 anos. Muitas dessas fotos foram feitas nos parques nacionais Grand Canyon, Grand Teton, Kings Canyon, Mesa Verde, Rocky Mountain, Yellowstone, Yosemite, Carlsbad Caverns, Glacier, e Zion. Várias delas registraram Death Valley, Saguaro, e Canyon de Chelly National Monuments.

Snake River, Wyoming, 1941

St. Mary’s Lake, Glacier National Park, Montana, 1942

Going-to-the-Sun Mountain, Glacier National Park, Montana, 1942

Ansel Adams é um patrimônio norte-americano. Foi capaz de ver a riqueza natural de seu país como nenhum outro fotógrafo de sua época, observando a beleza de forma macrocósmica, exuberante, absoluta e, claro, registrando-a quase paradoxalmente – ou seja: em preto-e-branco, dispensando um dos elementos que o ambiente mais usa para embelezar-se: as cores. A fotografia, para Adams, é arte pura e, enquanto arte, precisa da sensibilidade do artista para ser veiculada. Caso contrário, é apenas registro, sem a função poética que apenas os grandes fotógrafos conseguem veicular.

Canyon de Chelly, Arizona, 1941

Kiersage Pinacles, King River Canyon, California

 Mount Moran, Teton National Park, Wyoming, 1941

Grand Canyon National Park, Arizona, 1942

Se você gostou e quer ver mais, é só clicar AQUI. Neste link será possível visualizar não somente o patrimônio natural, mas também as construções dos índios pueblos, feitas à base de pedra, adobe e outros materiais. Ansel Adams retratou-os de ângulos muito específicos, justamente para realçar a particularidade arquitetônica de um povo que ficou apenas na lembrança. Vale dar uma checada.

 

 

Fala! #1: Juan José Arreola

“‘Diverti-me como uma louca!’, disse Mona Lisa com sua voz de falsete, e diante dela, reverenciosos, os imbecis se extasiaram num coro de rãs boquiabertas. Seu riso dominava os salões do palácio como o jorro solitário duma fonte insensata. (Aquela noite em que as águas da amargura me penetraram até os ossos.) ‘Diverti-me como uma louca!’ Eu assistia à reunião como representante do espírito e a cada momento recebia parabéns, apertos de mão, oferecimentos de caviar e cigarros, previa a exibição das minhas credenciais. (Na verdade eu tinha ido somente para ver a Mona Lisa). ‘Que é que você está pintando agora?’ Os monstros de brocardo e pedraria pervagavam no aquário de fumaça, de mirto venenoso e gorjeios. Cego de raiva e fazendo com que minhas lanternas de fósforos brilhassem na sombra, pensei atrair Mona Lisa para as grandes profundidades. Mas ela só sabia morder anzóis superficiais (…)”

Cocktail Party, Juan José Arreola

 

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