Elvis e Cocker: preteridos

A curiosidade – dizem! – mata gatos. Curioso que sou, fui à web em busca de informações acerca dos grandes cantores do rock. Em outras palavras: tenho meus preferidos e, num certo sentido, senti-me no direito de comparar meu gosto pessoal com predileções de gente que não conheço. Evidentemente há concordâncias. Quem, numa lista de 10 cantores de rock, deixaria de fora Freddie Mercury, Robert Plant e Tina Turner? Observando listas pela internet – Billboard, Rolling Stones etc -, surpreendi-me com duas ausências que, inclusive, entrariam no meu top 5.

A primeira defecção chama-se Elvis Presley, o maior cantor do rock – apenas para mim, pelo jeito. Ok, para os fãs mais alterados também. A segunda ausência tem o nome de Joe Cocker que – mais uma vez minha visão pessoal – só perde para Elvis, e olhe lá! O que me causou espécie foi que nenhuma lista, a considerar os veículos mais “respeitados”, sequer mencionou esses dois senhores. E olhe que a lista da Billboard traz 50 nomes! Das duas uma: ou não entendo nada de música, mais especificamente de rock e de quem os canta, ou eles são um rebanho de amnésicos cujas audições são, para dizer o mínimo, duvidosas.

Joe Cocker: Ein Rückblick zum Todestag des Sängers

Tudo bem: não haveria rock sem Chuck Berry. Convenhamos, porém: sem Elvis, o gênero não teria a amplitude que teve. Sem contar que Elvis deu ao rock um apelo sexual que ele não tinha. Ele, o rock, bem entendido. Um branco com voz de preto, unindo universos que se distanciavam, fazendo caucasianos reverenciarem o blues, fazendo os pretos apreciarem o country. Elvis foi além da música, essa é a verdade. Isso sem falar na voz poderosíssima, na sensualidade inequívoca, no suinge incomparável e na capacidade de cantar baladas, valsas, canções de natal, blues e gospel com a mesmíssima competência.

Salió el trailer de "Elvis", biopic del Rey del rock and roll • Canal C

Quanto a Joe Cocker, bem, há, no rock, cantor mais visceral? Mais dramaticamente sedutor, capaz de transformar canções modestas em espetáculos de voz e trejeitos? Seu vocal parecia ter saído de cavernas escuras, parecia ter atravessado oceanos de lava e sofrimento, até desembocar numa explosão de beleza, sensualidade e vigor. Não conheci – leia-se ouvir – nenhum outro cantor que provocasse tamanha pressão sobre o ouvinte. Sim, claro: é opinião, assim como é a opinião de quem cria uma lista e deixa de fora esses dois monumentos vocais. Elvis Presley e Joe Cocker merecem, talvez, uma lista só para eles.

Músicos pintores #2: Ron Wood

“Se Miles Davis pode, por que não você, Ronnie?”, perguntou, certa vez, Charlie Watts, o célebre baterista dos Rolling Stones. Segundo a lenda, a frase foi proferida quando o guitarrista Ron Wood, entre a oitava e a nona dose de uísque, afirmou que não somente apreciava Van Gogh como sentia que tinha talento para fazer, numa tela, o mesmo que o genial holandês fez. Bem, o C₂H₆O fez a autoestima do guitarrista ir à estratosfera – o que não chega, para muitos, a ser uma vantagem. Eu, de minha parte, aprecio os quadros do stoned. O Keith abaixo é uma beleza:

 Ronnie Wood is looking to earn a bit of extra cash by selling portraits of his fellow Rolling Stones bandmates

A partir de então, Ron Wood frequentou a Ealing Art College, levando a sério a arte de pintar. Percebendo o óbvio, que as cenas de rock são plásticas per si, o guitarrista dedicou-se a imprimir, em cores e pinceladas, o que havia de mais emblemático – e por que não acrobático? – nas performances não somente dos Stones, mas de outros músicos que lhe chamavam a atenção. É o caso de Jimi Hendrix, abaixo, cuja essência parece bem capturada. A pose de beatitude, de reflexão cósmica está lá, nos olhos fechados e lábios cerrados. Quer mais? AQUI você vê Jeff Beck e Eric Clapton, pela mão de Ron.

Alguns poucos críticos levam a sério quando o guitarrista sai do palco e substitui um instrumento por outro. A maioria diverte-se com as estripulias pictóricas que Ron Wood apresenta ao público – e isso inclui uma quantidade enormíssima de obras que vão da arte figurativa ao abstracionismo, passando por esculturas, line drawings, imagens naturais e representações de animais. AQUI, por exemplo, seu gorila. Para Ron, a arte é terapêutica: “Não há melhor terapia do que iniciar um quadro e conseguir terminá-lo.”

Critics tell Ronnie Wood to stick to music ahead of exhibition | Ronnie Wood | The Guardian

A crítica Louisa Buck disse  que “somente o ego de uma estrela do rock seria capaz de achar interessante colocar a si mesmo e a própria banda num quadro que representa a devastação de Guernica”. Tem razão, claro, em criticar a possível heresia em relação ao mestre espanhol, mas não é este um dos propósitos da arte: transgredir, subverter a ordem estabelecida? Para ela, Ron Wood deveria manter nas mãos uma guitarra, e não pincéis. Um outro crítico, Oliver Basciano, afirmou que “a arte deve possuir uma dose de ousadia, mas aí já é demais.” Talvez esteja certo, talvez não.

Rolling Stones Guitarist Ronnie Wood Is Also an Artist—But His Amateur Paintings Can't Get No Satisfaction From Critics

A quem interessar possa: AQUI, uma palinha.

Mulheres #10: Jacqueline Bisset

Algum leitor deste blogue assistiu a A Noite Americana? Como você não pode, na postagem, responder positivamente, vou imaginar que o leitor assistiu, sim, e várias vezes. A primeira, porque era François Truffaut o diretor: tão badalado quanto competente, um dos grandes nomes do cinema francês. A segunda, a terceira, a quarta e as tantas outras, por um outro motivo: Jacqueline Bisset, esta mocinha abaixo representada, esta beleza plástica que entorpece olhares de ambos os sexos:

Os dez melhores filmes de François Truffaut

A Noite Americana é um ótimo filme: metalinguagem, sensualidade, cinema puro. Não foi, entretanto, o filme que me apresentou essa belezura, e sim O Fundo do Mar, uma película meia-boca de Peter Yeats, que pegava carona no sucesso de Tubarão, de Spielberg. No filme ela contracena com o sempre ótimo Robert Shaw. AQUI você confirma como ela consegue reunir máxima beleza e aparente fragilidade.

Feliz aniversário, Jacqueline Bisset! - Blog de Hollywood

Pictures & Photos of Jacqueline Bisset in 2023 | Jacqueline bisset, Jacqueline, Jacqueline bissett

Claro, claro: que lê deve perguntar: E Bullitt? Bem, o filme é um clássico do final dos anos 1960, traz o mitológico Steve McQueen no papel principal masculino e, claro, a luminosa Jacqueline Bisset, no papel de Kathy, namorada de Bullitt. McQueen, notório galanteador e sátiro de primeira linha, dizia que a atriz era tão bonita que o fazia sofrer. Não se sabe se com essas palavras conseguiu algo mais do que contracenar com Jacquie, como ele mesmo a chamava.

O melhor filme de que participa – em singelíssima opinião -, e no qual mantém sua beleza refulgente (e capacidade dramática), é A Sombra do Vulcão, de John Huston. Aos 40 anos, madura na plástica e no desempenho dramático, participou de uma história tensa, marcada por triângulo amoroso, reconciliações e ambiente hostil. AQUI você assiste ao trailler. É melhor ver o filme inteiro, contudo.

Flick Review < Under the Volcano | John Huston, 1984 - C o c o s s e

Há quase dez anos, Jacqueline Bisset esteve no Brasil. Veio participar, como convidada especialíssima, do lançamento do filme Bem vindo a Nova York, em que faz o papel da esposa de Dominique Staruss-Khan, acusado de estuprar uma camareira guineense. O episódio teve repercussão internacional e o cinema, arte oportunista (ainda bem!), fez a parte dele. A atriz esteve diante de Jô Soares, o apresentador, para promover a película. AQUI você assiste à entrevista.

worldphotographs Jacqueline Bisset 10x8 Photo : Amazon.ca: Home

Jacqueline Bisset Talks Bizarre Golden Globes Speech - E! Online - CA

A inglesa Jacqueline Bisset fez alguns filmes ruins – que não merecem menção nesta postagem. Aqui, ao menos das mulheres escolhidas, só se fala bem. A questão é que, mesmo nesses filmes – cujos roteiros são sofríveis ou os coadjuvantes mereceriam o esquecimento -, a beleza e a refulgência dessa atriz, aliadas a suas competentes atuações, fizeram tais películas merecerem uma checagem. Poucas atrizes – e atores, por que não? – possuem essa prerrogativa. Neste primeiro dia de outubro, fique com Mrs. Bisset.

The Deep Jacqueline Bisset 1977 Photo Print - Item # VAREVCMBDDEEPEC016H - Posterazzi

Davis, Moon: biografias

Livro: Miles Davis - a Autobiografia - Miles Davis - Quincy Troupe | Estante VirtualEsta é para quem gosta de biografias. Dependendo do personagem sobre quem se fala, eu também gosto. Falei o óbvio. Para escrever a verdadeira história dOs Mamíferos, banda de rock capixaba que teve vida curtíssima – apenas 4 anos -, li sobre algumas vidas: de Lewis Carroll a Jorge Guinle, passando por Billie Holiday, Miles Davis, Frank Sinatra. Claro que priorizei biografias musicais, evidentemente. Aliás, há, sobre a biografia de Mr. Davis, algo a se considerar: a linguagem usada na tradução. Uma tristeza.

Eu explico. O livro é escrito a quatro mãos: o próprio Miles e Quincy Troupe, poeta e escritor que, entre outras obras relevantes, escreveu sobre Stevie Wonder e sobre o Weather Reports. Sabe o que fala, sabe o que escreve e, sendo ele um arguto observador da cultura afro, muitos dos termos usados no texto refletem a linguagem específica do universo negro norte-americano. E como traduzir isso? Não é fácil, eu sei, mas encher a tradução com expressões que adolescentes brasileiros falam é, no mínimo, inadequado. De resto, nada como ler sobre um dos homens que, em pelo menos duas ocasiões, mudaram o jazz.

Não é o que acontece com a biografia do maior baterista do rock – Keith Moon. Tony Fletcher, o biógrafo, assim como Quincy Troupe, ama a personagem de quem fala. Absolutamente detalhista, criterioso, mantém-se na linguagem que alia bom jornalismo e boa literatura. Herdeiro do new journalism, distanciou-se de Gay Talese, de Truman Capote ou de Tom Wolfe ao evitar os elementos romanescos e possivelmente fictícios – mesmo que para apenas ilustrar a obra. Eis um retrato de Keith para além do baterista.

Keith coloca Ginger Baker e John Bonham no bolso, deixando que se baqueteiem mutuamente disputando a vice-liderança. Não, não é pouco. De criança-problema ao estrelato mundial, essa figura mítica, intrigante e genial criou um mundo em que era o grão-vizir, fazendo o que queria, explodindo instrumentos, arrumando confusões com skinheads, brigando com colegas de banda, fantasiando-se de cavalo, divertindo-se às custas do constrangimento alheio. Era uma criança quando tinha de ser criança – e assim continuou até morrer, em 1978, mal tinha acabado de fazer 32 anos. Fica sua história, para gozo dos fãs e dos admiradores do bom e velho rock.

As lacunas de Campos de Carvalho

Walter Campos de Carvalho escreveu poucos livros. A exemplo de figuras como os norte-americanos J. D. Salinger e Thomas Pynchon, (adiciono o mexicano Juan Rulfo), o autor sempre achou que deveria falar apenas o necessário, e – dizem! – arrependeu-se de alguns textos. Não sei dizer até onde essa informação é segura. Li 4 livros desse autor. Dois deles são obras-primas da anarquia literária: A Lua vem da Ásia e Vaca de Nariz Sutil. Os outros dois, A Chuva Imóvel e O Púcaro Búlgaro são divertidíssimos (principalmente este último), e deveriam ser lidos por quem aprecia boa e originalíssima literatura.

Tribo by Campos de Carvalho | GoodreadsEis a questão: faltam-me a leitura de 3 obras, a saber: Banda Forra, livro de ensaios, de 1941; Tribo, romance de 1954, e a coletânea de contos O Espantalho Habitado de Pássaros, que nem sei se existe, de fato. Consta que foi publicada em 1965, mas não conheço ninguém que tenha lido, nem que sequer tenha conhecido, folheado etc. Campos de Carvalho renegou Tribo e Banda Forra. Calou-se sobre tais obras como se elas denunciassem um escritor que ele não era, mas que, tenho certeza, moldaram o fenômeno literário que ele se tornou.

Se há um bom autor no insipiente surrealismo brasileiro, essa figura é Campos de Carvalho. É possível garantir isso a partir da leitura das obras que não foram renegadas, e que trazem a marca do absurdo conectado a uma linguagem veloz e quase automática, incisiva, e que parece brotar de um inconsciente em ebulição. Há, também, o elemento cômico – mas aí o papo é outro, e o Surrealismo se desloca para dar lugar ao farsesco, ao deboche desmesurado, ao chiste e aos trocadilhos.

A surrealidade da guerra em "Vaca de Nariz Sutil", de Campos de Carvalho - Homo Literatus

A vontade do autor deve ser respeitada, é evidente. Se ele não quer que os títulos citados venham à tona, que seja feito seu desejo, e nem é necessário que isso seja explicado. Resta ao leitor, principalmente ao leitor que apreciou a leitura dos livros cuja edição e reedição foram permitidas, imaginar a razão dessa lacuna. No fundo, tal razão não importa muito. A lacuna, sim. Campos de Carvalho é daqueles autores cujas linhas deveriam ser expostas em toda a sua integridade.

AQUI um ótimo ensaio sobre a obra do autor.

Carmen & Monk

McRae, C: Carmen Sings Monk | Amazon.com.brAssim que conheci – pelos discos, evidentemente – Ella Fitzgerald, imaginei que não houvesse cantora que, no jazz, pudesse rivalizar com ela. Enganei-me, claro, já que Sarah Vaughan existia. Havia uma outra, a quem conheci (metonímia) mais tarde, cantando temas de Thelonious Monk: Carmen McRae. Maravilhado, estabeleceu-se para mim – e aí entra a subjetividade – a tríade fundamental do jazz vocal. O disco em questão está aí, ao lado. Há outros, porém Carmen Sings Monk é uma das obras-primas da canção. Não conhece? AQUI a chance de corrigir a falha.

Só as presenças do sax de Charlie Rouse, grande companheiro de Monk, e da bateria de Al Foster já fariam o disco valer a pena. O piano de Eric Gunnison é algo sublime, mas o grande instrumento, a verdadeira potência de todo o disco, Continuar Lendo

Heavy Metal, a revista

Pin em REVISTA HEAVY METALE quando Heavy Metal deixa de ser um subgênero do rock e se torna um clássico da graphic novel – para nós, quadrinhos? E quando figuras como Moebius, Enki Bilal e Milo Manara (sobre quem já escrevi) tornam-se mais importantes e significativos do que Bruce Dickinson, Angus Young e Tony Iommi? Para muita gente, os quatro primeiros citados valem muito mais que a barulhada que os três roqueiros, também citados, produzem. Bem, é questão de gosto, além de compreender que ver é melhor que ouvir.

Ouvi falar na Heavy Metal ao folhear um exemplar de El Vibora, revista espanhola que, infelizmente, não existe mais, e em cuja capa aparecia a figura misteriosa e transgressora de Ranxerox, o grotesco robô punk-humanoide apaixonado pela adolescente drogada Lubna, a quem ele protegia como fosse ela a filha de um Jesus apocalíptico. Ranxerox é filho de italianos: Tanino Liberatore e Stefano Tamburini, mas não nasceu na Heavy Metal, e sim na Cannibale, em fins dos anos 1970. Não, não conheço a Cannibale, infelizmente, mas li sobre ela. A propósito: Ranxerox é esta figura, abaixo (e que tem revista própria, todinha dele):

RanXerox And Lubna Tanino Liberatore T Shirt

Quando a Heavy Metal foi publicada em português – meados de 1995 -, pouca gente comemorou. Um tanto quanto desconhecida do público consumidor de quadrinhos (ainda era; hoje, não mais), passou despercebida para muita gente que apreciava as boas histórias – muitas delas distopias – e os desenhos tão psicodélicos quanto geniais. Tenho todos os números da HM brasileira, além dos números especiais em que a aparece a belíssima Druuna, a heroína futurista criada por Paolo Serpieri. Druuna é uma beleza mesmo. Confira:

BigWowArt.com, Comic Art For Sale

A edição brasileira da Heavy Metal bateu as botas sem aviso prévio. Foi de repente, deixando um punhado de órfãos sem saber o que fazer, alimentando a vã esperança de que bons ventos soprassem novamente. Não rolou. A revista norte-americana existe até hoje, publicando histórias de ficção científica pouco edificantes, cheias de sensualidade, de horror, de personagens neuróticos e mulheres de beleza inequívoca. Há um filme – homônimo -, canadense, que reúne várias histórias que brotaram na revista. A trilha sonora é tão pesada quanto a película: da voz de Sammy Hagar ao som alucinado do Black Sabbath. AQUI você assiste ao trailler. Desfrute!

At the Village Vanguard, o livro

Livro: Ao Vivo no Village Vanguard - Max Gordon | Estante VirtualLivros sobre música – todos os gêneros possíveis – pululam nas prateleiras das poucas livrarias. Há de tudo: desde biografias de músicos e bandas até manuais de como aprender a tocar instrumentos: do violoncelo à shakuhachi. Todos os gostos são contemplados – o que me tranquiliza, pois o jazz, o rock, a MPB e a música clássica são gêneros que parecem vender bem, já que há títulos em abundância. Em deles é Ao Vivo no Village Vanguard, de Max Gordon. Quem é Max Gordon, afinal? É proprietário da mais tradicional casa de jazz dos Estados Unidos – o Village Vanguard do título. 

Estive lá, nos anos 1990. Assisti a uma apresentação de David Murray, o sopro mais vigoroso desde Benny Golson. Paguei os olhos da cara, tomei duas doses de uísque e não comi nada, porque não se come no Village Vanguard. Bebe-se, fuma-se e ouve-se. Mas quero falar do livro. Max Gordon dá o ritmo, trazendo histórias sobre as figuras que se apresentaram na casa. Do espetacular saxofonista cego Roland Kirk a Dannie Richmond, baterista de Mingus que, emocionado após a morte do amigo, vai até o Village para uma conversa.

Há mais: Sonny Rollins fugindo do palco após metade de uma extraordinária execução; um retrato de Miles Davis, o gênio temperamental, e cantoras do calibre de Anita O’Day e Dinah Washington. Ok, não é apenas música. Há, por exemplo, um capítulo delicioso sobre como Max Gordon usou as segundas-feiras – dias em que o Village não funcionava – para reunir um grupo e conversar sobre qualquer assunto, desde que polêmico. Há apresentações de blues, há um capítulo para Lenny Bruce, o comediante em seu estandape.

Bar Village Vanguard em Nova York - 2023 | Dicas incríveis!

O Village Vanguard é, contudo, uma casa de jazz. É uma grife poderosa: muitos músicos tarimbados apreciavam fazer um disco com a chancela Live at Village Vanguard. Vou citar alguns medalhões: Sonny Rollins, John Coltrane, Bill Evans, Dizzy Gillespie, McCoy Tyner, Bobby Timmons, Wynton Marsallis, Art Pepper, Mal Waldron, Miles Davis. Bem, a lista não cabe na postagem. Vale a pena ler? Claro, desde que você goste de boa música e que aprecie um bom papo sobre ela. Se você se interessou em ler esta postagem, está nessa categoria de leitor. Aproveite, portanto!

Sem Bruce (há 50 anos)

 

No último 20 de junho: o cinquentenário de morte de Bruce Lee. Sou fã, e já disse isso. Certo, certo: era um péssimo ator, os filmes eram sofríveis – exceção para Operação Dragão -, os coadjuvantes tinham, assim como ele, a expressividade de um copo de guaraná e as histórias não faziam muito sentido – mas e daí? Quem ia ao cinema não esperava que Mr. Lee fosse Laurence Olivier, nem que as histórias tivessem a (chata) profundidade simbólica de filmes na Nouvelle Vague. Queriam, como eu, testemunhar as cenas de ação, os chutes, os voos, a pancadaria e, claro, os uivos peculiares do maior astro de ação marcial do cinema.

Durante a adolescência, assisti a quatro dos cinco filmes que estrelou. Deixei O Jogo da Morte para bem depois, em videocassete, mas as películas que estrelou como Dragão nos cinemas brasileiros foram vistos por mim com o fanatismo de um crente ensandecido. Claro: assisti a tais filmes algum tempo após terem sido feitos, até porque à época do lançamento da primeira aventura eu tinha apenas 9 anos. Confesso que ter assistido ao embate entre Lee e Chuck Norris nas ruínas do Coliseu, nos últimos minutos de O Voo do Dragão, foi quase uma epifania. Não conhece a cena? Duvido. De qualquer forma, AQUI está. É um show, um balé. E um gato como juiz.

Os filmes de Bruce Lee me levaram às artes marciais: lutei judô e caratê na adolescência. Nunca fui grande coisa como atleta, até porque não levei a coisa muito a sério, não obstante ter vencido alguns bons embates e faturado umas medalhinhas. Os filmes funcionavam mais ou menos como a fantasia do que eu (nunca) poderia ter sido, mas o desejo era pertinaz, embora nada se fizesse para concretizar o que se pretendia. Coisa de menino diante do herói que elegeu para modelo que não seguiu. O mesmo aconteceu com Pelé e Superman – mas isso é papo para depois.

Réquiem para Bruce Lee em Cannes - Estadão

 

Hoje, aos 61 anos, volta e meia me deparo com os filmes estrelados por Bruce – todos eles fazendo parte do plantel dos telecines da vida, sendo apresentados à garotada sem qualquer reverência ou solenidade, como se não passassem apenas de mais um filme em que um chinês enche os branquelos de porrada. Espanca também outros chineses, sem qualquer misericórdia conterrânea. Jackie Chan, Jet Li, Mark Dacascos e até Keanu Reeves (que é, na verdade, libanês e não se parece com um oriental) têm mais apelo com a meninada. Que tal perguntar aos citados senhores qual a inspiração? Tenho certeza de que concordarão em pelo menos um nome.

O poeta Magritte em 3 telas escolhidas

Sou fã de Magritte, René Magritte: belga, surrealista, morto há 56 anos num dia 15 de agosto. O gênio da raça, embora menos (re)conhecido que Salvador Dalí, que sabia como ninguém autopromover-se. Magritte, mais discreto mas tão inovador (ou mais) quanto o pintor espanhol, criou um universo próprio dentro do imenso universo surreal. Suas imagens não têm aparente sentido no mundo consciente, posto que usem a geometria e a exatidão realista. Não são o que parecem ser, e essa é a premissa surreal.

o império da luz por Rene Magritte (1898-1967, Belgium) | Museu De Reproduções De Arte

A reprodução acima tem o título O Império das Luzes, de 1954: a cena noturna sob o céu diurno. Há algo de poético no quadro, algo que brota do contraste e da simetria. Se existe um pintor no século XX capaz de aproximar poesia da pintura, este é René Magritte, admirador de Lautréamont e Rimbaud – não por acaso, poetas simbolistas franceses que influenciaram o Surrealismo. Assim como a poesia se recusa a explicar o que quer (a quem quer) que seja, os quadros de Magritte nada revelam – a não ser, evidentemente, aquilo que o observador consegue ver.

Magritte – A VIOLAÇÃO - VÍRUS DA ARTE & CIA - Lu Dias Carvalho

A Violação é uma ideia. É a subversão do valor milenar, da distinção entre corpo e face, ambos expostos e ao mesmo tempo cobrindo um ao outro. Pediram a René Magritte que dissesse algumas palavras sobre a obra, e dele receberam “é um sorriso muito antigo”. Eis a questão: o que isso quer dizer? Explicar a frase equivaleria a envenená-la, e o mesmo pode se dizer da tela diante dos olhos. Se há poesia nessa subversão, somente quem observa poderá dizê-lo.

Tempo Trespassado de René Magritte | Tela para Quadro na Santhatela

Um túnel ferroviário transformado em lareira é o tema de O Tempo Trespassado. O absurdo da tela – legítima, para o Surrealismo – funde movimento e direção, mas, para onde? A fumaça que brota da locomotiva dá a ideia de que tal movimento nunca cessará, com independência e tenacidade. Se o observador tenta transpor a ideia para o real, perceberá que a anomalia nada tem de artística. O que vale, claro, é a forma como René Magritte expõe o paradoxo. Eis aí a grande poesia.

Só por curiosidade: o título original desse quadro é La durée poignardé, que significa Tempo correndo esfaqueado por uma adaga. Bem, esse é René Magritte.

AQUI, o Musée Magritte. Aproveite!

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